618 km completados e pensar em voltar tudo novamente.
Depois de ter presenciado ao longo do caminho os outros países organizados, com suas equipes trocando de roupa próximo aos PCS, se alimentando, recebendo massagens, conversando a mesma língua, mecânico para reparar as bikes, etc… Enfim coisas que eu deveria esquecer, e ter em mente que era um brazuca e tinha que terminar a prova a qualquer custo.
Brest era uma festa só para homenagear os audaciosos que vinham chegando, para muitos cruzar a ponte era a chegada, mas não é bem assim porque ate chegar ao PC ainda tinha uma longa caminhada com lombas pela cidade. Isso me deixava inquieto porque a ansiedade de carimbar o passaporte era muito grande e quando realmente cruzávamos a linha de chegada e vendo aquela multidão de ciclistas, ganhávamos força para voltar ou ficar por ali participando da festa com os audaciosos que foram com a finalidade de apenas chegar a Brest.
Minha chegada foi às 12:58 com o tempo de 43:00 e isso me deixava mais confiante. Aproveitei para me alimentar e fazer minhas necessidades, meu corpo estava muito cansado clamando por descanso, mas não deixei minha mente ouvir seu lamento e ao circular pela quadra esportiva deparei com o Leandro dormindo.
Senti muita vontade de deitar ao lado imaginando ser acordado por ele quando fosse sair, mas eu estava decidido a voltar. Tentei acordá-lo para saber se queria partir junto comigo e, meio sonolento, falou que eu poderia ir então obedeci a sua vontade e voltei para a estrada.
A volta parecia mais suave, estávamos a descer numa estrada de mão dupla e víamos aquela multidão de audaciosos chegando, isso nos dava ânimo porque já tínhamos ido lá, tudo que tinha a fazer era seguir o fluxo das bikes em linhas até sair de Brest, mas o inesperado aconteceu quando eu estava muito confiante. Furei o pneu com uma mordida na câmera por ela não estar suficientemente cheia, um erro considerado de principiante por não ter feito o check-up antes de sair. Parei a bike no acostamento e calmamente comecei a trocar a câmara.
Pneu pronto e na hora de encher a bomba não funcionava corretamente. Enchia, enchia, enchia e nada, nisso os audaciosos passando a perguntar: ‘Do you need Help?’. Eu respondia ‘Thank you!’
Nisso quando olhei para o relógio já havia perdido 20 minutos com um simples furo e aí o cansaço, como estava aborrecido com minha mente por não ter lhe escutado antes começou a perturbar, o que parecia simples se tornou num caos, tudo pela revolta do cansaço que não deixava minha mente trabalhar em paz, mas uma luz acendeu em minha mente e tive a lucidez de pedalar com o pneu um pouco vazio à procura de um posto. Para minha felicidade encontrei uma oficina de carro e, quando eles perceberam que eu estava com necessidade, prontamente me ofereceram ajuda. Não falávamos a mesma língua, mas consegui fazer entender que precisava encher o pneu.
Nessa confusão interna levei 40 minutos para sanar o problema, a tranquilidade já não existia mais em mim e juntou-se ao cansaço para desafiar minha mente. Mas apesar de tudo eu me mostrava forte e meu próximo destino seria Carhaix-Plougeur no km 703 para carimbar meu passaporte e partir para Saint-Nicolas-Du-Pelem, Km 736 onde iria dormir um pouco para não aumentar o conflito em meu corpo. Tudo o que eu não queria era a formação de um “Triângulo Fatal do Pedal”: falta de tranquilidade, cansaço e sono.
Segui meu pedal solitário trazendo a tranquilidade de volta à mente e quando Cheguei a Carhaix-Plougeur encontrei com três brazucas: a Lidiane, que já estava de saída, Marco e Osvaldo. Isso foi a dose de ânimo que faltava, começamos a conversar e falar das dificuldades e das belezas, das aventuras até ali vividas. Eu estava de saída, eles ainda iam se alimentar e como ainda estava claro eu queria me adiantar o máximo para fugir da noite mas quando estava saindo chegaram mais três ilustres brazucas: Lazary, Calvete e André Lima.
Cara, foi muita alegria e vocês não imaginam como meu ânimo revigorou, foi como se eu tivesse ingerido uma bomba para voar, não desfazendo do encontro com os brazucas anteriores, mas encontrar esse grupo foi uma força celestial pela nossas sagas anteriores e a primeira coisa que veio na mente foi que iríamos terminar a prova juntos.
Seguimos nosso pedal formando o pelotão tagarela. Não parávamos de falar e o ânimo era tanto que passamos batido por Saint-Nicolas-Du-Pelem. Fizemos um pit stop em Corlay, onde tinha um coreto com festa para ver a passagem dos audaciosos e seguimos em frente, mas o ritmo já não era o mesmo, o ânimo também e com isso comecei a me distanciar do grupo devido aos sobe e desce da estrada.
Às 00:42, eu estava chegando a Loudeac e após carimbar meu passaporte, encontrei a Elvira que estava à espera do Lazary. Fiquei muito feliz em vê-la e ainda brinquei com ela cantando a paródia de que a Elvira era a mulher de verdade, por está ali aquela hora esperando seu companheiro chegar. Ela perguntou pela Julia e falei que estava em Paris e só viria me encontrar na chegada. Pedi licença a ela para fazer meu ritual higiênico e ao voltar para me alimentar, encontrei novamente com o Guilherme Kardel, logo após o grupo chegar.
Sentamos para nos alimentar em uma mesa quadrada para discutir estratégias. Que eu me lembre, a Elvira era a única maluca lúcida (bom sentido) ali acordada aquela hora a nos escutar, O Kardel estava decido a dormir, o Lazary estava caindo de sono, mas queria seguir, o André e Calvete queriam dormir e eu também estava com muito sono e cansado porque só havia descansado mais ou menos duas horas em 782 km rodados. Na verdade nós não conseguíamos chegar a uma conclusão e o tempo estava passando. Uma da manhã abandonei a mesa quadrada e fui para o alojamento, combinei que iria dormir em um colchão com o aviso de ser acordado em apenas duas horas. Eu realmente estava muito cansado, mas na formação do “Triângulo Fatal do Pedal”, a tranquilidade foi ludibriada pelo sono e ao bater na cama fui envolvido por Morfeu, mas graças à adrenalina e o medo de não acordar mais, fiquei num estado intermediário entre o sono e a vigília e antes de completar as duas horas para ser chamado.
Dei um pulo da cama achando que haviam esquecido de mim, rapidamente peguei minhas tralhas e saí no escuro do alojamento em busca de um pouco de luz para ver a hora. Eu havia dormido 1:30 e ao sair do alojamento em direção à minha bike às 03:30 da manhã, recebi um impacto forte de frio e ao ver aquele monte de bikes molhadas esbravejando fumaça para se misturar à nevoa, me fiz de rogado e montei na bike partindo para meu próximo objetivo em Titeniac.
Minhas mãos estavam congelando e meus pés também, eu havia deixado minhas roupas molhadas para não carregar peso e por sorte na parada que fiz em Quedillac para abastecer paguei por um pernito 45 euros. Paguei com muita pena, mas depois que vestir isolando o frio na minha perna pude ver que havia feito um bom negócio.
Novamente estava na estrada sozinho, pois não sabia se meus amigos tinham partido ou não porque durante a mesa quadrada não chegamos a conclusão alguma. As 08:16 da manhã eu estava chegando a Tinteniac com 867 km em 62:25. O dia estava lindo e a chuva nos deu trégua abrindo caminho para o sol vir nos acompanhar. Eu continuei meu pedal solitário sem saber dos amigos e buscando alguém com o mesmo ritmo de pedal para não me sentir sozinho. As dores na pernas começaram a aparecer e as lombas também, me fazendo girar mais para poder vencê-las. Meu tornozelo direito começou a apresentar uma pequena luxação e isso começou a me incomodar, mas eu procurava não dar atenção a isso porque seria mais um obstáculo e continuei minha jornada em direção a Fougeres.
Eu continuava pedalando sozinho, quando de repente fui pego de surpresa pelo “Triângulo Fatal do Pedal”. Eles decidiram se juntar e fazer suas reivindicações juntos, eu já havia passado por momentos assim em outros desafios e tentei lutar continuando o pedal. Comecei a usar aquela velha estratégia de cantar, falar comigo mesmo, gritar que tinha força, que iria superar tudo etc… Enfim, tentei de tudo e nada, cada vez a situação ficava mais crítica, foi quando resolvi ceder parando para descansar.
Durante a prova eu já havia visto vários audaciosos dormindo à beira da estrada e porque eu não poderia fazer isso?
Assim comecei a procurar um lugar para me abrigar, apesar de ser de dia não queria ficar no mato. Eu trazia comigo um isolante térmico e fui mais um pouco à frente para deitar em um tablado de um parque de diversão onde fazia esquina com a rua na esperança de que se passasse algum amigo brazuca, este iria ver e me acordar.
Meu descanso foi de 40 minutos, e mais uma vez a adrenalina mancomunada com o medo de não acordar, num acordo com o “Triângulo Fatal do Pedal” me trouxeram novamente para a estrada e assim continuei meu pedal até Fougeres chegando as 11:35, com 921 km.
Fougeres foi a lugar que mais me encantou. Já havia vivido uma cumplicidade com ela no PBP de 2007, suas ruas estreitas, seus castelos e bares encantam o lugar, com isso fiz uma parada rápida no PC deixando para me alimentar no caminho e seguir procurando um lugar agradável para comer algo.
Ao virar o primeiro cruzamento onde tinha um garoto sentado na sua janela com uma bandeira indicando a direção, deparei-me com um bar na esquina bem movimentado. Rapidamente parei minha bike e me acomodei em uma mesa e chamei o garçom: “S’il vous plaît!… Lá Beire Escura e um Le Pain com Fromage”. Fiquei então apreciando os audaciosos passando.
As mesas estavam cheias, mas devido ao bar ser de esquina e num cruzamento, poucos audaciosos se atreveram a parar e devido a isso não sabiam o que estavam perdendo. A caneca de cerveja chegou primeiro e quando vi o tamanho fiquei impressionado, já havia olhado o cardápio e pedi o médio de seis euros. Quando chegou o sanduba com aquela baguete enorme fiquei pasmo e vi que tinha um grande desafio pela frente.
Como eu estava com o tempo sobre controle relaxei e comecei a batalha com a cerveja e a baguete. Eu estava com o pensamento a mil por hora vendo aquela galera toda bebendo e gritando para os audaciosos que passavam, quando de repente na minha frente um figura para e fica me olhando, eu retribuir o olhar, mas desviei e quando voltei minha visão novamente o cara estava vindo em minha direção e mandou um “hello man”, eu meio surpreso mandei um ‘hi”, aí ele falou “do you remember me?”. Caraio velho! Esse lance foi incrível! Eu olhei fixo para o cara e minha mente viajou longe e aos poucos foi voltando, mas quando ele falou você estava no PBP de 2007 a ficha caiu!
Foi demais, era o cara que havia me socorrido no PBP anterior quando eu estava na estrada anoitecendo no caminho de Fougeres e me deu uma carona de volta a Villainnes-La-Juhel me deixando numa pousada, fiquei sem saber o que falar ele disse que ainda guardava o meu cartão, mas ainda não tinha ido ao Rio, quando ele me socorreu eu falei pra ele que quando viesse ao Rio poderia me procurar que eu iria ser o seu guia turístico. Ofereci-lhe uma cerveja, mas ele não aceitou rapidamente guardei a metade da baguete, bebi a cerveja duplamente feliz e me despedi dele falando que dessa vez não iria precisar da sua carona e parti para Villainnes-La-Juhel. Às 16:45 eu estava carimbando meu passaporte com 1009 km rodados. Após carimbar meu passaporte, senti que ainda estava sobre o efeito da emoção de ter reencontrado uma pessoa que havia me ajudado há quatro anos atrás e isso me dava força para seguir em frente, porque o PC de Villainnes parecia mais um campo de batalha onde os guerreiros tinham escapado de uma explosão próxima e haviam recebido apenas o calor da brizância. Por outro lado meu tornozelo estava doendo cada vez mais, eu tentava não pensar e a melhor maneira era não deixar a musculatura perceber isso (não esfriar o corpo, porque o corpo é malandro e gosta de moleza). Fiz o essencial e parti para o próximo PC.
Eu estava com 70 horas de pedal, na minha cabeça só restavam 191 km para fazer em 20hs, tudo parecia está sob controle, apesar do esgotamento físico isso me dava certa tranquilidade, mas novamente o “Triângulo Fatal do Pedal” veio me visitar, só que dessa vez ele jogou duro comigo. Era uma tarde de sol maravilhosa, mas minha mente não tinha o controle do corpo e por mais que eu tentasse ficar aceso não conseguia. Eu já estava debilitado porque não conseguia comer nada, apenas injerir liquido, por outro lado minha mente não registrava mais as coisas belas em volta, eu não conseguia mais olhar para o céu e sim para o acostamento da estrada vendo os audaciosos a se proteger do sol, dormindo como frutos que caíam das árvores. Assim não tive outra escolha a não ser encostar minha bike na estrada.
Coloquei o relógio para despertar em 50 minutos, tirei meu cobertor térmico e deitei contando as bikes que passavam como se fossem os carneirinhos, assim caí nos braços de Morfeu, mas na verdade Morfeu foi muito amável comigo e não me deixou entrar no estado letárgico, num estado de sonolência e inatividade, em que as funções vitais do organismo são reduzidas ao absolutamente necessário à sobrevivência.
Com 40 minutos de apagão novamente fui acordado com o zunido das rodas no asfalto e rapidamente obedeci ao toque de recolher imposto pela adrenalina partindo para Mortagne-au-Perche no km 1090. Cruzei o PC às 22:14 e após carimbar o meu passaporte, saí em busca da enfermaria. A dor e o inchaço no meu tornozelo direito eram muito grandes, já não estava mais conseguindo pisar direito e ao chegar à enfermaria deparei-me com uma fila enorme de ciclistas enfermos, como aquelas lonas do campo de batalha, as macas todas cheias com muitos audaciosos fora de combate. Mesmo assim não me deixei ser envolvido e quando mostrei meu tornozelo para o médico fui levado ate uma maca, onde tomei um analgésico e recebi uns 20 minutos de massagem.
Meu próximo objetivo era Dreux, mas a saída de Mortagne-au-Peche era muito complexa, além do mais era noite e isso começou a complicar meu pedal. Na saída os organizadores sinalizavam o caminho para Paris, mas quando estávamos saindo fazíamos um giro que cruzava com os audaciosos que ainda estavam chegando e isso embolava o meio do pedal, pois as sinalizações já não estavam tão frequentes como no resto do trajeto e resolvi seguir com muita cautela para não por tudo a perder. Assim fui seguindo um audacioso que parecia conhecer bem o trajeto. Era um audacioso muito experiente e apesar da idade, estava bastante preparado porque cada vez mais ele ia se distanciando, e mais a frente apareceu uma redonda e simplesmente por eu vir atrás tive que parar para um caminhão passar e não vi a direção que ele havia tomado.
Cara, fiquei parado no cruzamento sem saber que caminho seguir. Voltei um pouco para ver se encontrava alguma sinalização, mas nada e aí me passou outro audacioso japa e desceu direto. Rapidamente eu fui atrás dele, era uma lomba de respeito e quando já havia descido mais ou menos uns 500 metros eu vejo a luz do japa parado. Fui reduzindo e quando cheguei perto dele ele estava com o mapa na mão para certificar se o caminho estava correto, quando cheguei perto ele resolveu me perguntar algo, essa foi demais!
Não entendi bulhufas e tentei ensaiar um “do you speak english”, mas nada. O japa mandava uma rajada de palavras e eu não entendia nada, nisso vejo mais três audaciosos parando. Eram os amigos do japa e aí eles ficaram estudando o mapa e eu não tinha nada para ver. E aí foi formando um grupo com varia línguas, cada um com seu mapa na mão e eu sem entender nada, pensei comigo mesmo, vou voltar e ver se encontro alguma sinalização lá na redonda, mas passou um audacioso batido e eu pensei: “pô cara, está todo mundo descendo então o caminho deve ser esse mesmo”.
Larguei o grupo lá e parti atrás do cara, mas era uma longa descida e o audacioso estava só se distanciando de mim, eu até tentei acompanhar, mas estava com medo de encontrar um buraco na estrada e me ferrar, nisso o audacioso só se distanciava, chegou um momento que ele desapareceu, a estrada era um vale cercado de árvores, meus faróis estavam fracos, isso me fez reduzir a velocidade e novamente eu estava sozinho.
Resolvi parar e esperar alguém para poder acompanhar, mas não passava ninguém e isso foi me deixando agoniado. Continuei descendo e mais a frente encontrei um cruzamento e parei para ver o itinerário. Minha mente já não funcionava mais eu estava muito cansado e assim chegou um novo membro para aumentar o “Triângulo Fatal do Pedal”. Entrei em desespero e comecei a querer chorar pensando em estar perdido num circuito errado. Na minha mente veio de imediato o PBP de 2007, começou a sair lágrimas dos meus olhos e por mais que eu tentasse segurar não conseguia, meus lábios tremiam e eu começava a esbravejar comigo mesmo por não ter tido atenção lá em cima na redonda quando tive que parar por causa do caminhão, sentia vontade de voltar, mas eu sabia que não iria conseguir subir de volta toda aquela lomba, e foi aparecendo um sinal de impotência em mim, no meu pensamento vinha uma faixa escrita: “como vou explicar que não completei a prova por ter me perdido no final?”.
Quando tudo parecia acabado, comecei a escutar o barulho de uma moto se aproximando em minha direção e para minha felicidade era um fiscal da prova. Cara foi muito engraçado porque quando o cara viu o meu desespero ele falou algo, mas eu não entendi nada e rapidamente peguei meu passaporte e mostrei o carimbo de Mortagne-au-Perche. Rapidamente ele falou num francês clássico “allez” me mostrando a direção de Dreux.
Durante esse período de stress perdi uns 40 minutos, mas na minha mente parecia horas e horas e comecei a ficar preocupado de não conseguir chegar a tempo no PC. Comecei a pedalar em uma estrada que era minha velha conhecida, só que havia passado por ela em 2007 durante o dia, era uma estrada aberta a sua volta tinha os campos com fenos seguindo numa reta infinda, eu continuava sozinho vendo as luzes de Dreux e como o desespero havia passado o “Triângulo Fatal do Pedal” me abraçou. Parei minha Recumbent em uma ponte e tirei meu cobertor para dormir, mas foi uma tentativa em vão. Fazia muito frio por estar em um lugar descampado. Para minha sorte passou um pelotão e rapidamente juntei minhas tralhas e fui acompanhando o grupo. De longe nós avistávamos o ginásio de Deux, mas ele não chegava nunca devido as voltas que fazíamos para chegar até ele.
Depois de muita luta conseguir alcançar o PC de Dreux, o mesmo em que fui ovacionado em 2007 quando estava voltando de Fougeres. Carimbei meu passaporte e fui para o restaurante ver a comida para me alimentar mentalmente porque não conseguia ingerir nada a não ser água e quando eu estava caminhando para a rampa de comida fui recepcionado pelo Seu Jorge.
Eu estava andando como um zumbi, ainda bem que ele veio ao meu encontro porque se não fosse isso eu jamais iria encontrá-lo, logo depois chegou o Marcos Morgan, assim fizemos uma festa. Seu Jorge estava acompanhado de uma audaciosa dinamarquesa ele parecia muito excitado com isso, os flashes das máquinas não paravam em volta deles, fiz algumas fotos mais meu corpo estava precisando descansar. O seu Jorge já havia me chamado para voltar com ele porque o caminho até Paris era muito complexo, falei que iria dormir um pouco e quando ele fosse partir poderia me chamar, assim desmaiei deitando o lado de vários audaciosos que estavam a dormir no piso do ginásio.
Meu sono era pesado e Morfeu estava me abraçando de uma maneira carinhosa, não havia vigília e nem sonhos porque antes de deitar minha mente sabia que havia uma sentinela para me alertar e como seu eu tivesse dormido o sono dos anjos uma voz bem longe veio me despertar: “Estamos a partir menino!”. Era seu Jorge acompanhado da sua amiga dinamarquesa. Prontamente levantei-me, pedi um tempo para ir ao banheiro e fui procurar o Marcos Morgan para saber se ele ia com a gente e, ao encontrá-lo, falou que iria seguir com seu amigo pois estavam pedalando juntos desde Fougeres.
O Ginásio de Deux estava uma festa. O aquecimento em seu interior fazia com que os audaciosos se animassem com os 1165 km percorridos e eu também estava muito feliz porque na minha mente só restavam 35 km. Além disso, eu tinha um guia que estava participando pela sétima vez no PBP. Quando nós começamos a caminhar para buscar nossas bikes no estacionamento senti uma força positiva de que dessa vez tudo iria dar certo. Eu estava muito cansado, mas ao acompanhar o grupo que seguia, eu observava que seus semblantes eram de felicidade, eles falavam e riam como se o final da prova fosse Dreux, mas eu era o calouro do grupo, a caminhada por dentro do ginásio parecia longa e quando chegamos ao estacionamento o frio era intenso. Olhei meu relógio e marcava 05:00 da manhã.
O frio era muito forte e nossas bikes estavam cobertas novamente pela névoa branca do orvalho mas nós tínhamos uma missão a cumprir e seguimos formando um pelotão de quatro audaciosos
Nosso guia no início estava sendo a dinamarquesa, isso enquanto fazíamos o trajeto por onde havíamos chegado, depois começamos a seguir por uma via onde nos levava a uma área habitável e, como eu era o calouro, fui seguindo o grupo. Estávamos no alto de Dreux, nós conseguíamos ver as luzes de Paris lá embaixo, o dia estava começando a amanhecer e o sol vinha chegando para nos desejar “bon courage” com seus raios energizantes. Durante um longo trecho nós encontrávamos alguns audaciosos que ainda seguiam para carimbar seu passaporte em Dreux e os gritos de incentivo eram ecoados ao vento como uma vacina para reanimá-los.
O ritmo de pedal imprimido pelo pelotão era muito forte, mas eu procurava sempre acompanha-los sem perder de vista, o vento soprava forte e eles se revesavam num sincronismo maravilhoso. Eu de longe apenas observava com minha Recumbent e sempre que eu me distanciava do pelotão. Seu Jorge reduzia um pouco me chamando para acompanhar o pelotão e numa dessas reduzidas dele aproveitei para fazer um vídeo para o Faccin, onde ele fala para o Faccin ver a dinamarquesa que estava a pedalar na nossa frente e dizia que estávamos a chegar, só que o chegar do Seu Jorge era um chegar de mineiro, logo ali!
Assim íamos passando pelos lindos Château e isso me deixava animado me esquecendo da dor nos tornozelos e evitando a aproximação do “Triângulo Fatal do Pedal”. Depois da filmagem e fotos seguimos um longo tempo pedalando juntos, com isso desfizemos o pelotão e passamos a pedalar juntos. A dinamarquesa como pedalava muito forte virou fumaça, o outro audacioso resolveu parar para descansar um pouco porque depois de algumas voltas saindo de Dreux ele sabia que o final seria duro.
Na minha mente tudo já estava programado, eu continuava seguindo o Seu Jorge num ritmo com se a prova estivesse começando. Nesse gira e gira entre os Château começamos a subir em Gambais, aí começou a aparecer os Carrefour, eu estava me sentindo nas Paineiras, não me fiz de rogado, girava o pedal para não deixar o Seu Jorge sumir da minha vista, cada vez subia mais e mais, ele não parava de girar falando que estava a chegar, eu com o automático ligado abastecido pela adrenalina seguia obediente, confesso que se estivesse sozinho não iria ter o mesmo desempenho e estava arriscado colocar a classificação em jogo devido ao circuito.
Depois de muitos sobe e desce finalmente chegamos a Saint-Quentin en Yvelines. A quantidade de ciclistas pelas ruas era impressionante, uns voltando para seu descanso, e outros seguindo para entrar no portal de chegada, muitos se arrastavam, outros querendo voar para serem recebidos pelo publico que cercavam as ruas ovacionando os heróis por sua grande bravura.
Eu acompanhava o Seu Jorge que estava querendo quebrar o seu recorde da prova de 2007. Na verdade eu estava indo pelo calor da emoção de estar ali naquele universo de 5.178 Audaciosos. Eu estava lá completando a prova, não escutava nada, minha alegria era contagiante superando todas as dores e limites do corpo, cada mão tocada ao passar, fosse a pessoa adulta ou criança tudo era convertido em energia para a bandeirada final, o grito de “bon courage” já estava registrado na minha mente devido ser explanado ao longo do percurso. Assim completei a prova com o tempo de 87:01 do Paris Brest Paris 2011.
Quero deixar meus agradecimentos a todos que me apoiaram nesse grande êxito.
Nos vemos em 2015.
Cezar Barbosa
fevereiro 28th, 2013 em 13:18
Parabéns Audaxioso, realmente é um relato fantástico.