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PBP – Relato do Cezar Augusto Barbosa – parte 1

Postado em 24 setembro 2011 por awulll

 

Desafio Paris-Brest-Paris. O retorno para uma grande conquista.

Para quem já leu alguns dos meus vários relatos, sabem muito bem que eles são longos, mas dessa vez vou procurar ser breve porque estou sendo muito cobrado pelos amigos audaciosos, que querem saber como foi essa grande aventura.
Na verdade tudo começou em 2007, quando quebrei minha bike no Km 50, muito triste e decepcionado com o acontecimento me tranquei como uma ostra, falando para mim mesmo que iria ter que completar essa prova no próximo desafio, a qualquer custo. Com esse pensamento voltei para o Brasil com mil questionamentos em mente e dei seguimento a minha grande saga.
Antes de regressar ao Brasil a minha vontade era deixar meu Protótipo Zohrer Racer 26×26 por lá mesmo e comprar uma Recumbent Especial em Carbono, mas isso não era possível porque eu havia viajado com a grana contada com a ajuda de alguns amigos e por outro lado eu estava voltando sem emprego. Tudo isso soava diferente em minha cabeça, mas em momento algum me senti como um fracassado até porque eu havia feito o máximo para continuar na prova e assim mesmo ainda consegui rodar 600 km. Esse foi o início da minha grande saga.
Durante o período de 2007/2008, dei continuidade aos meus pedais light, fazendo algumas provas do Audax juntamente com o meu tradicional pedal para molhar as plantas no Receio e ir com os amigos comer churrasquinho de gato com Caipirinha na Feirinha de Saquarema. Não demorou muito para a volta ao trabalho, mas eu precisava equilibrar as finanças, tudo parecia tranquilo, só que na minha mente ainda estava em cartaz aquele velho filme. “1200 km PBP, O Retorno.” E tudo que eu fazia era em função disso porque quando tomei a minha primeira vacina dos 200 km no Audax em Campinas, fiz um compromisso comigo mesmo que iria provar da dose em Paris, nos 1200 km.
Já em 2009 foi diferente, recebi um convite do primeiro brazuca a completar o PBP Manuel Terra para fazer uma expedição pela Bolívia que seria mais ou menos a mesma distância do PBP. Sem me fazer de rogado aceitei o desafio e fui atravessar o Salar de Uyuni (http://www.youtube.com/watch?v=HxrTxTIGlao).
Em 2010 retomei o pedal nas provas do Audax. Em 2011 parei de sonhar e comecei a encarar o pedal com mais seriedade visando o PBP. Minha primeira prova foi o Audax 200 km Rio Urbano e não consegui o brevet porque por descuido não carimbei em um PC Virtual. Isso me deixou muito triste e como meu objetivo estava se aproximando, resolvi fazer as provas no Sul, devido às provas do Rio estar muito espaçadas uma da outra.
Parti para fazer 200 km em Santa Cruz do Sul num sábado, no domingo iria acontecer um 300 km valendo brevet. Caí para dentro do problema voltando para o Rio com 2 carimbos para o PBP, agradecido pela organização do Audax Rio em ter me transformado num monstro do pedal – essa foi a frase usada quando enviei a mensagem para o Edu, falando que tinha completado as duas provas no Sul num final de semana.
A partir desse momento passei a ser gaúcho tchê, mas não de pelotas! E fiz minha série toda pelas Serras Gaúchas onde obtive a certeza de que realmente havia fortalecido meu pedal, principalmente na prova de 600 km que por varias vezes pensei em abandonar, mas com o incentivo dos audaciosos na prova, consegui o brevet no tempo necessário.
Um dos momentos críticos, foi quando quebrei o parafuso da roldana e fui ajudado pelo pelotão de speed. Passaporte na mão, sorriso no rosto, mas bolso vazio e assim decidi colocar meu projeto na rua em busca de um patrocínio. Fiz isso de sem-vergonhice porque sabia que não iria arrumar nada nesse Brasil em que vivemos, mas no final do túnel apareceu o Grande Bessa que com incentivo ao pedal me conseguiu uma Passagem para Paris com 50% de desconto através da sua esposa que trabalha na TAM.
Minha ociosidade estava cada vez maior e minha única duvida nesse momento era minha bike, pois ela havia testado minha força de vontade por duas vezes quando quebrou no Audax de 400 km e 600 km, isso em lugares diferentes fazendo com que eu ficasse a me questionar: será ela mesma a bike que eu deveria levar? Eu tinha outras bikes, mas eu me sentia confortável com minha Racer, devido a isso resolvi lhe dar uma nova roupagem e com a ajuda dos amigos, Salas Bike e Rodrigo Free Bike, saí de um Shimano LX para um XTR-SLX 10. Isso deu bastante resultado, comecei a perceber nas minhas subidas pela Paineira quando ia pedir proteção ao Cristo.
Durante esse período de ociosidade pelo dia D, as paginas dos Blogs e Clubes Audaciosos estava bombando com debates sobre trajetos, altimetria, carro de apoio, onde dormir, o que comer, tempo, translado etc… Mil coisas, mas eu não participava efetivamente, me limitava a responder algumas coisas e quando me perguntavam qual era a minha planilha, respondia que só iria saber depois que carimbasse meu passaporte no primeiro PC em Villainnes-la-Juhel no km 210.
Com esse pensamento dei continuidade em busca do meu objetivo. Iniciaram-se as inscrições e para variar estava embarcado, novamente tive que pedir auxilio ao Guru Richard Dunes que fez minha inscrição. Parti para Paris acompanhado da Julia.
Nossa chegada em Paris foi dia 18/08, um pouco atrasado, mas em um voo direto com a bike sob controle e com um agente para nos transportar ate Saint Quentin, livre dos transtornos passados em 2007. Tínhamos uma reserva feita pelo Della no Hotel Plasir dês lês Gatinnes e na minha chegada fui tomado por uma emoção muito grande quando deparei com a portaria onde havia dormido em 2007 por não ter levado a chave do apartamento. Os atendentes eram os mesmos e eles me aguardavam para festejar a minha chegada, pois eles haviam sofrido junto comigo a perda da minha bike em 2007.
Fui recebido com um Bonjour Monsieur Barbosa, confesso que fiquei muito emocionado por ter se passado 4 anos e o carinho pela receptividade ainda era grande. A Julia e meu Personal bike Athayde ficaram também encantados com a maneira que fomos recebidos. Nossos quartos já estavam reservados como se estivéssemos lá todo final de semana.
Nosso primeiro contato audacioso foi com o André e Calvete que já estavam em suas devidas acomodações saindo para jantar. Largamos nossas malas no quarto e partimos junto com eles para colocar os assuntos da viagem em dia. Estar de volta no Hotel Plasir foi uma felicidade imensa e na minha mente ainda estava registrado o dia que voltei da prova sem a chave do quarto, devido a isso passei uma noite de chuva e frio inesquecível no lado de fora do hotel. Olhei para o tapete e os vidros que cercavam a entrada do hotel e pensei comigo mesmo que não cairia nesse erro novamente. Por alguns instantes fiquei com o pensamento distante quando fui acordado pela Julia falando que estava com fome e que iríamos nos atrasar para o jantar.
Chegando ao restaurante já tínhamos uma mesa reservada na parte de cima, pedimos uma garrafa de vinho para brindarmos nosso retorno ao PBP 2011. Estávamos em 5 pessoas, enquanto decidíamos o que íamos comer, fomos colocando os planos em dia. Eu e Calvete estávamos ali pela segunda vez, mas o André Lima estava debutando e nos escutava muito atento, era visível a felicidade em seu rosto e por várias vezes lhe falei que ele havia sido responsável por eu está ali, porque durante os 600 km de Santa Cruz do Sul ele não me deixou sair da prova por duas vezes. Houve uma vez que cheguei a parar o carro de apoio para colocar a bike dentro, e ele  me pediu que eu fosse até o próximo PC (o PC 6), que estava no Km 363. Com todo esse incentivo que recebi acabei completando a prova no tempo limite. Eu sabia que tinha uma grande dívida com ele, devido a isso procurava lhe passar tudo que podia da experiência passada.
Nosso primeiro passo foi combinar de sair bem cedo no dia seguinte para ir ate a loja da Decathlon para comprar alguns acessórios que estavam faltando. Às 08:00 da manhã nós já estávamos acordados para tomar café e seguir até a loja. Como nossas bikes ainda estavam desmontadas, resolvemos fazer uma caminhada na estrada fazendo fotos e contando histórias.
Nós estávamos há 2 dias da prova e parecíamos bastante tranquilos para quem iria pedalar 1200 km. O Hotel já estava cheio, porque os audaciosos de Santa Catarina haviam chegado, no café da manhã foi uma grande festa, nos abraçamos, fizemos fotos, gritávamos de alegria, tudo isso no jeito brazuca de ser, rindo e falando no último tom, mas a verdade era que o salão estava todo assim, cada um falando sua língua. Nós como éramos a maioria ficávamos em destaque, a Julia e meu personal bike Athayde estavam admirados com tudo isso, mas no meu íntimo eu sentia que estava faltando algo, porque quando perguntava por alguém do grupo se havia chegado, recebia a resposta de que estava em outro hotel, então isso me deixava triste porque em 2007 não foi assim. na verdade eu queria que todos os brazucas estivessem ali juntos, porque tinha gente de outros estados e eu queria conhecê-los pessoalmente para poder conversar, trocar ideias e me sentir numa grande família, como aquelas famílias que brigam muito, mas sempre tem alguém por perto acompanhando o que acontece com seu irmão.
Nossas idas à Decathlon eram infindas, devido a chegada do Richard que estava de carro, sempre que alguém lembrava algo faltando, ele se prontificava de ir até a loja para comprar os acessórios, afinal, devo atribuir uma parte do peso que carreguei a ele. Exemplo: Câmera Go Pro, pneus, etc… (http://www.youtube.com/watch?v=_tZsJNzUZRE).
Enfim nossas idas e vindas serviram para descontrairmos e tirarmos um pouco do stress que estava nos consumindo pelo que estava por vir, mas os nossos melhores momentos eram quando saímos para almoçar ou jantar, porque assim conseguimos reunir um grande número de audaciosos e ficávamos horas e horas na mesa trocando ideias até o dono nos expulsar. Isso foi assim até o grande dia!
Vistoria pronta e minha largada seria às 21:00 do dia 21/08. Como minha bike era uma Recumbent, eu estava saindo na classe especial e isso me fez ficar no Hotel juntamente com o Richard e Rafael que estavam largando no dia seguinte para 84 h. Assim assistíamos os audaciosos partirem com suas bikes e lhes desejávamos boa sorte, (Bon Courage) aflitos esperando a nossa vez.
Nosso hotel estava a uns 12 km de distância da largada, eu sabia que lá estaria uma agitação muito grande e também não queria ficar sozinho no meu quarto porque a Julia e meus amigos já haviam partido devido a dificuldade de locomoção. Às 16:00 resolvi partir para Guyancourt Gymnase dês Droits de I’homme. Para minha sorte às 17:00 já havia acontecido a largada principal das bikes especiais. Iria acontecer uma largada às 18:00 e um dos organizadores me viu de reclinada e me chamou para lhe acompanhar correndo abrindo caminho pelos ciclistas me colocando na primeira fila na largada das 18:00. Eu na verdade fiquei sem entender nada, apenas ouvia os aplausos e gritos das pessoas quando passava, estava parecendo que eu era um convidado especial, aquilo me deixou muito emocionado sem poder me concentrar e falar com meus amigos que estavam ali presentes
Isso tudo me fez lembrar a chegada de 2007 em Dreux, quando fui ovacionado por estar entrando no Funil com 48 horas de pedal, e depois eles viram que meu passaporte não estava carimbado e pude explicar que estava fora da prova porque havia voltado de Foulgeres, mas tudo isso era passado e quando dei por mim estava largando com o pelotão das 18:00, a única reclinada no meio das bikes híbridas.  Cinq, Quatre, Trois, Deux, Un, Aller!
Quando a fita baixou parti com o pensamento fixo de que iria terminar a prova a qualquer custo e assim segui o carro madrinha e as motos que estavam nos balizando até a saída da cidade. Eu estava com dois odômetros em minha bike, mas eles não estavam regulados e decidi manter um ritmo confortável. Minha estratégia era chegar até o km 140 Mortagne–au–Perche sem fazer nenhuma parada, assim segui minha saga numa média horária de 21 km/h, e por volta das 23:00 eu estava chegando ao meu primeiro destino. Ao chegar encontrei o audacioso Saboia bebendo sua coca-cola com o pé na cadeira feito um lorde. Ali fizemos uma foto para registrar nosso encontro e sem demorar muito parti para meu segundo objetivo.
Minha media horária ainda era a mesma, já havia anoitecido, mas eu continuava seguindo forte porque havia dito que se conseguisse chegar no PC 1 no km 210 em Villainnes-La-Juhel com 10 horas iria poder controlar o restante do tempo com mais facilidade. Às 04:12 hs da manhã eu estava cruzando a linha do PC 1 com o tempo de 10:21, tudo estava dentro do programado, apenas fiz minhas necessidades básicas, me alimentei e segui em direção a Foulgeres, sendo que agora a coisa havia mudado, as lombas começavam a aparecer e o dia a clarear, com isso pude relembrar que aquela estrada já era minha velha conhecida, mas procurava não lembrar do passado.
Durante todo esse percurso não encontrei nenhum brazuca, escutava todas as línguas e tentava falar com alguns audaciosos na estrada, mas não resultava em nada, meu ritmo caiu um pouco, mas mesmo assim comecei a encontrar algumas reclinadas que haviam partido as 17:00, isso me animou bastante, durante um longo trajeto pude acompanhar uma audaciosa alemã com sua Recumbent Velo Kraft de relação traseira, onde conversávamos um pouco em inglês mimico labial, mas foi por pouco tempo porque tive que voltar à minha realidade e pedalar no meu ritmo, pois o dela estava muito forte. Poderia ter acompanhado a média que ela estava fazendo, mas algo me dizia para esquecer a competição, mesmo por ela ser uma mulher, assim segui com o meu ritmo, obedecendo minha mente voltando para minha média de 17 km/h, chegando a Foulgeres no km 310 às 10:40 da manhã com o tempo de 16h48min pedalado.
Novamente a minha chegada foi sem festa, pois nada de encontrar com os brazucas, com isso me limitava a ficar o menos tempo possível no PC. Minha estratégia estava muito legal e uma coisa que passei a perceber foi que eu realmente estava focado no pedal, havia deixado o meu lado lúdico em stand by apreciando as maravilhas em minha volta sem deixar envolver o lado de fotógrafo viajandão e assim meu pedal foi fluindo.
Fluindo por Tinteniac Km 364 e quando cruzei a barreira dos 449 km em Loudac consegui encontrar um alien Brazuca-Brasília Guilherme Kardel. Cara Foi muita alegria, parecia que nós estávamos no final da prova, falávamos tudo ao mesmo tempo perguntando pelos outros, fizemos fotos para registrar o grande encontro e depois de nos alimentarmos partimos para nosso próximo destino que seria Saint-Nicolas-du-Pelem.
Nossa saída foi por volta das 20:50, ainda tinha a luz do dia para nos guiar, mas o tempo prometia chuva e tudo estava dizendo que São Pedro queria participar do evento, e para anunciar sua chegada os trovões e raios começavam a surgir no céu de forma cinematográfica. Em algum lugar distante a chuva já parecia estar caindo forte nos avisando que muito em breve viria nos fazer companhia.
E assim a chuva chegou forte, tão forte que se tornava impossível pedalar, nos obrigando a procurar um abrigo para esperar ela diminuir e refletir se realmente iríamos continuar com essa aparente loucura de completar os 1200 km. Não houve jeito, a loucura falou mais forte, eu olhava outros audaciosos passando e lembrei o nosso velho ditado: “está na chuva é para se molhar.”
Então parti assim mesmo com muita cautela para não desperdiçar todo o pedal precioso que vinha fazendo, por volta das 23:00 estava chegando ao meu objetivo para fazer o primeiro descanso verdadeiro na prova. Não sentia fome e a roupa molhada me incomodava, queria a todo custo trocar de roupa, comprei uma ficha para o alojamento, onde tomei um bom banho e fui deitar no chão porque não tinha cama livre.
Consegui dormir umas 2 horas, apesar do corpo estar cansado, a euforia de estar acordado para continuar a prova era muito maior, às 03:00 da manhã já estava de pé querendo partir, já estava de roupa trocada e quando fui ver a chuva ainda não tinha parado, o frio era intenso e decidir tomar um café e comer algo antes de sair, a barraca onde estavam servindo o café estava cheia de lama e o estado dos audaciosos era duro de ver, alguns dormindo na mesa com a comida a sua frente para alimentar sua alma, essa foi à única maneira que encontrei como explicação, porque isso aconteceu comigo.
Após pedir algo para comer, eu dormi com a comida ao lado, depois ao acordar coloquei uma colher na boca, afastei o prato para o lado, peguei minhas tralhas e parti. Às 08:30 da manhã estava chegando no km 525 em Carhaix-Plougeur somente para carimbar meu passaporte e partir para Brest. O tempo já estava melhor com a trégua da chuva, mas eu tinha ainda um pequeno problema para resolver, estava carregando toda a roupa molhada comigo, isso somava alguns quilos a mais devido ao cansaço e decidi fazer uma parada em um ponto estratégico para deixar a roupa e pegar na volta, assim fiz, meu pedal voltou a fluir novamente com o peso deixado para trás, as 12:58 h eu estava cruzando os 618 km em Brest com 43 horas, isso me deixou muito feliz, vocês não imaginam o quanto eu vibrava com esse feito, mas minha alegria era temporária, porque eu sabia que ainda o mais duro estaria por vir.
618 km completados e pensar em voltar tudo novamente, depois de ter presenciado ao longo do caminho os outros países organizados, com suas equipes trocando de roupa próximo aos PC’s, se alimentando, recebendo massagens, conversando a mesma língua, mecânico para reparar as bikes, etc… Enfim coisas que eu deveria esquecer e ter em mente que era um brazuca e tinha que terminar a prova a qualquer custo.

 

1 Comentários para este Post

  1. Gilson Rogério Kassulke Says:

    É emocionante ler o relato amigo. Parabéns.

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  1. PBP, eu fui! – Cezar Augusto Pinheiro Barbosa | Do Atlântico ao Pacífico Disse:

    [...] sobre o PBP 2011: http://doatlanticoaopacifico.com/archives/2524 e [...]

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