Partida | Meio do caminho | Chegada | Km | Atrações |
San Salvador de Jujuy (1259m) | Yala, Leon, Quebrada de Humauhuaca, Tumbaya – Muitas subidas | Tilcara (2461m) | 85 | La Pucara (Fortaleza), Museus, Paleta del Pintor (formação rochosa 4km ao sul) |
Tilcara (2461m) | Quebrada de Humauhuaca | Purmamarca (2192m) | 40 | Cerro de Siete Colores, a cidade em si |
Purmamarca (2192m) | Subida da Cuesta de Lipan – aprox. 20km | Topo de Lipan (4170m) | aprox. 35 | Os Caracoles |
Topo de Lipan (4170m) | Altiplano Andino | Salinas Grandes (3400m) | aprox. 35 | Deserto de Sal, Casa feita de sal |
Salinas Grandes (3400m) | Lhamas, cactos e região desértica | Susques (3675m) | 70 | Igreja de 1598 |
Susques (3675m) | Salar de Olaroz, Salar de Jama, região desértica | Paso de Jama (4230m) | 120 | Fronteira da Argentina com o Chile |
Paso de Jama (4230m) | Subidas e mais Subidas, Mirante de Flamingos, Deserto total | Topo da subida (4800m) | aprox. 70 | O Deserto em si |
Topo da Subida (4800m) | Deserto, Vulcão Licancabur e uma descida alucinante | San Pedro de Atacama (2400m) | aprox. 90 | Vale da Lua, Geiser, A cidade em si |
San Pedro de Atacama (2400 m) | Salar de Atacama, Quebrada de Jeres, Deserto e Subidas | Socaire (3200m) | aprox. 100 | Nada |
Socaire (3200m) | Subidas, Laguna Miscantil e outras Lagunas | Paso de Sico (4079m) | aprox. 100 | O Deserto em si |
Paso de Sico (4079m) | Descidas, Deserto | San Antonio de los Cobres (3750m) | 104 | Trem das Nuvens |
San Antonio de los Cobres(3750m) | Passeio no Trem das Nuvens | Salta (1600m) | 160 | Museus, Parque San Martin |
Salta (1600m) | San Salvador de Jujuy (1259m) | 78 |
Foram dias difíceis os quais passei. Enfrentei serras (cuestas) de mais de 20km, sofri com a altitude acima de 4000m, com a temperatura baixa (de manhã e de noite), com o vento e o sol do deserto do atacama, com a estrada de rípio (terra, pedra, areia, costelas de vaca) e com muitas outras coisas. Mas se me perguntarem se eu faria novamente, a resposta é sim, pois apesar de todas as dificuldades, os lugares são fantásticos, as pessoas (locais ou viajantes) tb e só de estar fora da rotina (trabalho-casa-trabalho), já vale a pena. Acho que aí vem a reflexão: Não é preciso muito parar viver bem (em harmonia com a natureza, com Deus e consigo mesmo).
Deixo abaixo um resumo do que aconteceu. Mais detalhes vou colocar posteriormente no meu blog (http://pedalandosemfronteiras.blogspot.com/), incluvise as dois dias até Camboriú onde embarquei num ônibus para a Argentina.
Os 7 primeiros dias foram alucinantes, com temporais, ventos, montanhas coloridas, sitios arqueológicos, subidas até 4900m de atitude e muito mais.
1º Dia
Cheguei em San Salvador de Jujuy perto da metade do dia, montei a bicicleta e sai pedalando as 13h. A expectativa em rever aquelas paisagens era muito grande. Em pouco tempo eu estava na entrada da vila de Reyes e depois pude ver bem a vila de Yala. Incrível. Em seguida passei pela vila de Lozano e tirei fotos do local onde, em 2008, ficamos esperando o Nelson ir comprar pilhas. Logo avistei um placa indicando a vila de Leon e a emoção foi aumentando, pois em 2008 a sensação de estar no mirador de Leon foi ímpar. E desta vez não foi diferente, aquele local é mágico. No mirador encontrei dois brasileiros de moto Tiramos fotos, conversamos e nos despedimos.
Foi então que começaram as subidas. Se bem que eu já estava subindo, mas com uma inclinação pequena. Passei pelo corte colorado, onde a estrada (ruta 9) fica contornando uma montanha e depois entrei na Cuesta de Barcena. Magnífica. Infelizmente logo após umas cabanas, onde se não me engano o Nelson parou para descansar em 2008, começou a chuva. Que bosta! Mesmo assim continuei subindo, tirando fotos, filmando e curtindo o pedal. Logo cheguei ao topo e desta vez me pareceu mais fácil. Tirei fotos da placa que informa a Quebrada de Humauhuaca como patrimônio cultural e natural da humanidade e depois (como muito frio) desci até Volcan, onde deixei a chuva pra trás. Ali fiz questão de parar no mesmo posto de 2008, onde instantâneamente vieram em minha memória as imagens do Nelson derrubando sua bike, do João tomando refri de laranja e das ovelhas descendo a montanha. Peguei água no posto, coloquei uma camisa segunda pele e segui para a feira campesina que fica uns 200m depois.
Na feira resolvi não tirar fotos e sim filmar todo o local, mas desta vez a emoção foi diferente, pois a feira estava fraca, isto é, com poucas barracas e sem muita coisa pra ver. Prefito ficar com a impressão de 2008.
Depois segui num pedal tranquilo, passando por Tumbaya, até a entrada de Purmamarca. Ahhhh Purmamarca. Memórias boas desta vila. Nunca esqueço que na mesma entrada o Nelson perguntou para uma nativa se poderia tirar foto dela e a resposta foi um NÃO que deixou nosso amigo sem graça…hauahua.
Entretando meu destino daquele primeiro dia não era Purmamarca, mas sim Tilcara. Segui pela ruta 9 por mais 22km e fiquei encantado pelo caminho e pela vila de Tilcara. A Quebrada de Humauhuaca nestes 22km nos apresenta a Paleta del Pintor e a vila de Maimara. A combinação da vila com a Paleta (formação rochosa com um impressionante jogo de cores) é incrível. O que atrapalhou um pouco foi a chuva, que a cada vez que eu parava parecia estar chegando novamente. Ainda bem que só foi ameaça com apenas poucos pingos.
Cheguei em Tilcara as 20h, fui no camping (25 pesos) e depois de um bom banho, fui conhecer a vila que é muito parecida com sua vizinha Purmamarca. A praça é quase igual, as ruas e o povo também. Na minha opinião a maior diferença está no melhor atrativo turístico: Em Purmamarca, o monte das 7 cores, já em Tilcara, a Pukara (fortaleza que deixei para conhecer no dia seguinte)
Foram 91km pedalados em 7 horas. Show de bola
2º Dia
Acordei bem cedo e fui conhecer a Pukara. Perguntei para um nativo e por sorte ele me mostrou o caminho, pois morava perto da fortaleza. Andamos por uns 30 min até o local que infelizmente estava fechado. Tirei algumas fotos da paisagem e esperei por 45 min. Quando os funcionários chegaram pensei que iriam abrir, mas nada. Só então percebi que o horário da câmera digital estava 1h adiantado, isto é, ainda eram 8h e não 9 (horário de abertura). Que bosta!
Voltei para a cidade, tirei fotos da cidade , fui no banco (que estava fora do ar) e me dirigi novamente para a fortaleza. Bingo, já estava aberta. Por 20 pesos pude conhecer toda a majestosa estrutura da Pukara. Fiquei 1h andando, tirando fotos e me surpreendendo a cada minuto. A parte mais impressionante fica no alto da pequena montanha. Lá tem um tronco de pirâmide que foi construído “recentemente” em 1935 em homenagem aos primeiros restauradores e arqueólogos do local. Fora este local, ainda tem o setor da igreja, das residencias, da necrópolis, do jardim botânico (com diversos tipos de plantas e rochas) e uma grande área com cactos. Um lugar realmente incrível!
Na saída descobri que pelos 20 pesos eu teria direito de conhecer o museu arqueológico que fica no centro de Tilcara. Ok, vamos lá. Foi quando um carro com placa de Morretes passou por mim. Gritei o nome da cidade e o veículo parou imediatamente. Conversamos bastante, trocamos e-mails e telefones e nos despedimos com a promessa de que iríamos nos encontrar novamente no Brasil. Infelizmente fiquei um pouco preocupado com uma informação que eles me passaram: o Paso de Jama estava fechado por causa da neve.
Tentei deixar a preocupação de lado e fui conhecer o museu. Show de bola. Nessa hora pensei nos meus amigos historiadores, incluindo o Nelson e o Rodyer. Eles iriam gostar muito do museu. Pude ver artesanatos, esculturas, ferramentas e muitas outras coisas. Um banho de cultura sobre aquela reigão.
Já eram quase 12h quando voltei ao camping, desmontei acampamento e parti com destino a Purmamarca. Ao sair de Tilcara notei que havia perdido meu caderno de anotações, incluindo o diário da viagem até Ushuaia. Voltei, procurei e nada. Merda! Segui para Purmamarca meio desanimado e com bastante vento contra. Não tirei muitas fotos do caminho, pois já havia passado por ele no dia anterior, mas resolvi conhecer outro museu (que fica na ruta 9, entre Tilcara e Purmamarca). Por 3 pesos pude ver ossadas, artesanatos e principalmente armas usadas pelos consquistadores espanhóis e pelos nativos. Show de bola. Depois segui para o meu destino.
Entrei na ruta 52 e fui relembrando os acontecimentos de 2008. Primeiro recordei do vento que pegamos, depois das mochileiras que encontramos saindo da cidade e por fim visualizei em minha memória a foto que tiramos ao chegarmos em Purmamarca. Fiz questão de entrar na cidade pelo mesmo local de 2008 e quando cheguei na praça principal, com a igreja ao meu lado, fiquei um bom tempo parado, só olhando para aquela vila que considero a melhor que já conheci.
De dentro da igreja saía uma música local. Não tive dúvidas e entrei na igreja. Lá dentro, crianças, jovens e alguns adultos tocavam, dançavam e mostravam um pouco da cultura local. Sinceramente não sei, mas acho que era alguma data festiva, pois era a mesma música que ouvi e vi crianças tocando ao chegar em Tilcara. Show de bola.
Depois fui para o camping, o mesmo de 2008, tomei um banho e sai para o Monte das 7 Cores. Assim como na primeira vez, passei reto pela entrada e tive que voltar. Então descobri que a entrada para o monte custava 2 pesos. Maldito capitalismo! Subi, tirei fotos e fui para o mesmo caminho que o Nelson e eu abandonamos daquela vez. Passei pelo hotel de barro e descobri um belíssimo lugar. Montanhas e mais montanhas coloridas e diversos caminhos para se explorar. Primeiro fui para à direita, subi num morro de cor vermelha e um argentino tirou uma das melhores fotos da viagem. Depois voltei para a bifurcação e peguei o caminho da esquerda, onde um paredão vermelho reina imponente. Seguindo pelo mesmo trajeto aparecem outras montanhas. Umas verdes, outras cinzas, algumas com duas ou três cores. Show de bola. Quando vi, estava novamente na cidade, em uma rua atrás da igreja. Que lugar incrível!
Voltei para o camping e depois fui comer no mesmo local de 4 anos atrás. Não aquele restaurante caro e ruim, mas naquela lanchonete onde jantamos. Pedi o mesmo sanduíche, mas não tinham milanesa e tive que me contentar com frango mesmo. Mas isso não importa, pois o sanduba continuava grande e muito gostoso, igual 2008. Lembranças vieram novamente.
Ao regressar ao camping comecei a escrever o relato numa caderneta nova. Foi então que começou a chover. Chuva, não muito forte, mas que durou a noite inteira. Pelo menos desta vez não houve bagunça durante a madrugada.
Assim terminei o segundo dia da aventura, com 28km e muita história pra contar
3º Dia
Felizmente ao amanhecer a chuva parou. Desmontei acampamento e sai. Pude conhecer bem o belo caminho entre Purmamarca e a Puerta de Lipan, mas estava preocupado com a subida, pois temia pegar chuva novamente e não ver nada, igual 2008. Ao poucos o tempo foi limpando e minha empolgação aumentando. Parei algumas vezes para tirar fotos ou conversar com turistas que estavam de carro. Foi numa parada na qual eu conversava com argentinos que conheciam Curitiba, Morretes, Paranaguá e Ilha do Mel que outros dois cicloturistas apareceram. Não perdi tempo e sai pedalando com eles. Julian e Karine, um casal francês que começou a pedalar em Ushuaia com destino ao Equador. Trocamos informações, conversamos enquanto pedalávamos e depois eu fiquei para trás, pois parei para tirar fotos.
Pouco tempo depois cheguei na Puerta de Lipan. Ali parei, tirei fotos, filmei , lembrei de 2008 e por fim marquei o horário: 10h e 43 min. Foi neste exato momento que comecei a subir a “temida” Cuesta de Lipan que, assim como todos os lugares daquela região, é mágica. Subia, subia e subia, porém queria mais. Sem chuva foi uma beleza disfrutar da beleza daquele local. Aqui deixo um parágrafo escrito pelo Antonio Olinto no seu livro 7 Passos Andinos:
- A subida era duríssima, mas maravilhosa. A estrada parecia uma serpente toda retorcida, espalhando-se de um lado a outro do penhasco, apegando-se nas menores oportunidades que o relevo oferecia para vencer o desnível.
No meio da subida uma família de Ponta Porã passou por mim e parou logo à frente. Uma família incrível. Todos muito simpáticos e com aquela alegria brasileira. Tiramos fotos, trocamos e-mails e nos despedimos.
Continuei minha subida solitária e logo após uma curva encontrei os franceses almoçando. Conversei um pouco e segui tirando ínumeras fotos, mas infelizmente no melhor lugar para fotografar a neblina apareceu. Que Merda! Pensei em acampar ali mesmo e esperar até o dia seguinte, mas só pensei. A parte mais chata foi que nos últimos quilômetros a neblina sumiu, entretanto já era tarde, pois já havia passado o lugar de onde se pode ver quase toda a estrada. Paciência. O jeito foi sofrer para terminar o aclive e enfim chegar aos tão sonhados 4170m.
Completei a subida exatamente as 15h e 20 min, ou seja, 4h e 37 min subindo. Ufa! Lá em cima existiam nativos vendendo artesanatos e outras pessoas que subiram de carro ou moto. Pedi para um senhor tirar minhas fotos e esperei os franceses. Logo eles chegaram, tiraram fotos e iriam descer. Foi então que resolvi seguir com eles e adiantar um dia no meu roteiro.
Coloquei meu anorak e minha touca ninja para descer. Show de bola a descida. Pena que minha câmera digital escapou da bolsa de guidão, deu um triplo mortal carpado e obviamente caiu no chão. Felizmente ainda continou funcionando, mas o flash estragou.
Pouco tempo depois estávamos na Salinas Grandes, outro local mágico, mas que desta vez deixou a desejar. As Salinas estavam molhadas por causa das constantes chuvas. Que bosta! Mesmo assim encontramos um local mais seco e tiramos fotos. Segui na frente e um pouco antes do restaurante de sal havia um local onde várias pessoas estavam tirando fotos. Ali entrei na água (molhei meu tênis com água e sal) e pedi para uma moça brasileira tirar fotos. Depois segui ao restaurante e fui entrando normalmente, mas um senhor me informou que não era permitido. O que??? Como não??? Em 2008 acampamos dentro do restaurante senhor!!! Infelizmente a resposta foi negativa. Dentro existiam diversas pessoas trabalhando com o sal. Nesta hora o francês necessitava de água potável e o mesmo senhor que barrou a entrada no restaurante, nos deu um pouco da água dos trabalhadores e também nos deu a dica para acamparmos na cooperativa que ficava um pouco mais a frente. Tiramos fotos de algumas mesas e bancos feitos de sal e seguimos para a cooperativa.
Ao chegarmos no local indicado conversamos com um homem que consentiu com o nosso acampamento, mas mandou a gente esperar o encarregado. Então perguntei sobre a casa que ficava do outro lado da ruta e atrás da casa estava liberado. OK!
Armamos um acampamento que ficou protegido do forte vento que soprava. Vento que estava ao nosso favor enquanto pedalávamos.
Depois ainda fui com a bike vazia e tirei fotos nas salinas.
Finalizamos o dia com 74km. Eu estava bem cansado.
4º dia
5º dia
Começamos o 5º dia com um pouco de frio e muitas subidas. Foram aproximadamente 17km de aclives com inclinação média. Após esse belo começo de dia, pudemos observar vários guanacos soltos ao lado da ruta e começamos a descer até o salar de Olaroz. A inclinação da descida também não era tão grande, mas serviu para compensar o esforço dos primeiros quilômetros. O problema foi o frio, que aumentou consideravelmente enquanto descíamos.
Ao chegarmos no salar, eu fiz questão de parar e tirar uma foto na placa. Tudo para relembrar os momentos de 2008. Novamente viajei no tempo. Ao continuarmos, pedalamos um bom tempo no plano e contemplamos o nada, isto é, o deserto. Quanto mais avançávamos, mais árida ficava a paisagem. Show.
Fizemos uma parada aos 40 km e quando prosseguimos encontramos um casal argentino que ficou muito interessado na nossa viagem. Eu fiquei um tempo maior conversando com o casal argentino e quando sai, perdi os franceses de vista. Acabei encontrando-os depois de pedalar (subindo levemente) uns 15 kms . Paramos e almoçamos. Neste dia acabei comendo um pouco do arroz deles, pois estava sobrando. Um arroz com tomate, muito bom por sinal.
Descansamos um pouco e partimos para Jama. Pedalamos mais alguns quilômetros subindo levemente e quando faltavam 45 km para o nosso destino, tudo ficou ótimo, com média de 27 km/h. Que beleza! Deixei os franceses para trás e pedalei bem forte. Foi então que uma família de Cascavel-PR parou para conversar. Logo os franceses chegaram, nós conversamos, tiramos fotos, trocamos e-mail e nos despedimos.
Novamente eu disparei na frente, pois estava preocupado com a chuva. Chuva não, temporal. Eu via a tempestade nas montanhas à minha frente e pedalava cada vez mais rápido para chegar em Jama antes dela. É óbvio que também aproveitei a paisagem, que nesta hora ja era completamente desértica, com montanhas nevadas ao fundo.
Faltando aproximadamente 7 km para completar o percurso do dia, o temporal apareceu com tudo. O vento que estava ao meu favor, mudou completamente. O calor que eu estava sentindo, por causa da pedalada forte, rapidamente sumiu com o granizo. Foi muito difícil chegar. Eu estava pedalando a míseros 6 km/h e fazendo bastante força para vencer o vento que teimava em me jogar para trás e para à direita. Foi um martírio. Com certeza, esses 7 km foram uns dos mais difíceis da minha vida. Imensa foi a minha alegria ao chegar em Jama.
Estas duas fotos foram tiradas no dia seguinte, sem chuva.
Parei, coloquei um monte de roupas e entrei na aduana para fazer os trâmites. A aduana é nova e muito melhor do que a antiga (a qual passamos em 2008). Em Jama foi construído em posto de gasolina e agora não há problema se escassez de comida, pois existe uma loja de conveniência Ao sair da aduana, a chuva já havia amenizado e os franceses estavam chegando. Enquanto eles estavam fazendo os trâmites, eu fui procurar um local para acampar. Encontrei uma casa abandonada na vila de Jama. Era perfeita para as nossas condições, pois ficaríamos abrigados da chuva, do vento e do frio.
Parar finalizar o dia, tomamos cappuchino no posto, armamos as barracas na casa abandonada e fomos jantar em um comedor/mercado que havia na vila. Acho que em 2008 nós não vimos este comedor/mercado.
Ah, não posso deixar de falar do menino chamado Abel, que disse ser sobrinho do dono da casa onde estávamos acampados. Ele ficou muito curioso sobre a nossa viagem e perguntou diversas coisas.
Finalizamos o 5º dia em 120km. 113 km tranquilos e 7 horríveis.
6º Dia
Começamos o dia sabendo que iríamos subir bastante, pois estávamos a 4200m de altitude e chegaríamos até 4830m, mas além do esforço para vencer os aclives, ainda tínhamos que nos preocupar com o frio. Eta coisa difícil!
Subimos os primeiros quilômetros e chegamos em um mirador. Ali pudemos observar a vila e a imensidão desértica do local. Fascinante! Depois subimos mais um pouco (com uma inclinação muito forte) e contemplamos a tão esperada placa da divisa. Ali parei e pedi para o Julian tirar uma foto minha. Pela enésima vez, veio em minha memória a viagem de 2008. São muitas emoções! Um pouco mais adiante, eu parei no mirador de Jama, tirei fotos e perdi os franceses de vista. Continuei subindo e apreciando aquela paisagem fantástica. O deserto é lindo! Logo alcancei meus companheiros, pois eles fizeram uma pequena parada. Pedi a altitude para o Julian e estávamos a 4600m. Havíamos subido 400m em aproximadamente 14 km, mas iríamos descer um pouco e subir novamente.
Com 15 km as descidas apareceram e obviamente o frio aumentou. Quando estávamos descendo, um motoqueiro brasileiro nos ultrapassou, parou um pouco mais à frente e nos filmou. Fiz questão de parar também e conversar com o compatriota. Trocamos algumas palavras sobre nossas viagens e nos despedimos.
Foi então que vi os franceses parados. Achei estranho, pois havíamos acabado de parar. Quando cheguei perto, descobri o motivo: Flamingos. Eles estavam procurando flamingos. Infelizmente não acharam nada, mas logo na frente havia um mirante para observação das aves. Ali paramos novamente e bingo! Encontramos alguns flamingos. Que felicidade! Na viagem de 2008 eu não tinha visto nenhum e agora, logo no primeiro mirante já tinha visto três. Pena que estavam muito longe e as fotos não ficaram boas. Saímos e o destino quis que, menos de 500 m do mirante, encontrássemos mais aves. Dessa vez bem perto. Fiz questão de tirar uma bela foto e de filmar. Show!
Felizes da vida, continuamos nosso caminho. A descida havia terminado e agora pedalávamos quase no plano. Eu disse quase, pois estávamos subindo novamente, bem de leve. E foi nessa suave subida que eu tive uma grande surpresa: Olhei para o lado direito e vi a montanha na qual em 2008 eu tirei a melhor foto da viagem. Desta vez ela não estava com neve, mas continuava imponente e bela. Nosso almoço foi saboreado em frente à montanha.
No período da tarde eu disparei na frente. Os franceses me encontraram quando parei em outro mirante de flamingos. Conversamos um pouco e eu os avisei que a temida subida estava próxima. Errei apenas na precisão da quilometragem.
Por falar em quilometragem, foi exatamente com 55 km que a subida mais difícil começou. No início estava até fácil, mas depois tudo piorou. Junte a falta de ar acima dos 4000m, a inclinação das subidas e um baita vento contra. Foi muito, mas muito difícil vencer todos estes itens juntos. Em algumas partes eu pedalava a míseros 4 km/h. Em vários momentos eu lembrava de 2008, quando achei a subida difícil, mas desta vez foi muito pior. Tudo por causa do vento contra. Já próximo dos 4800m, eu tinha que parar a cada 200m aproximadamente. Estou tentando descrever o quanto sofri, mas só estando lá para saber.
Depois de tanto sofrer, cheguei no topo as 16h e fui logo deitando no chão. Ali fiquei, esperando os franceses, durante 1h. Quando eles chegaram, perguntei a altitude e ao olhar em seu relógio, o Julian me disse com espanto: 4900m! Incrível! O casal também estava exausto e havia decidido que iriam montar acampamento logo depois da subida. Topei na hora.
Colocamos nossas blusas, toucas, luvas e tudo mais, pois o frio era grande. Descemos um pouco e logo encontramos um bom local para dormir. Local este que pode ser resumido em uma palavra: DESERTO.
Empurramos as bikes pela areia, sofremos com o vento para montar as barracas e fomos dormir.
Finalizamos o dia com 75 km.
7º Dia
Durante à noite sofremos com o vento forte até aproximadamente as 24h e depois com o frio. Mesmo com um bom saco de dormir, eu tive que colocar calça e blusa para ficar quente. Ao acordarmos, havia gelo na parte de fora da barraca e a água que deixei numa garrafinha havia congelado. Imaginem o frio para desmontar acampamento. Foi tenso, mas ao mesmo tempo, acampar no meio do deserto, foi uma experiência e tanto
Começamos a pedalar as 8h e mesmo usando todas as roupas possíveis, eu ainda sentia frio, principalmente quando o vento batia no rosto. No início enfrentamos uma suave subida constante que durou 14 km. Neste trecho nós passamos em outro mirante de flamingos e tiramos fotos de várias dessas aves exóticas.
Foi então que começou a nossa tortura. Foram aproximadamente 25 km com diversas subidas e apenas um pequeno trecho plano. Como estávamos a uma altitude considerável (uns 4600m, pois no dia anterior nós descemos um pouco antes de montar acampamento), a dificuldade foi maior. Lembro que o Julian, se referindo as subidas, não parava de dizer: No es finita. E para complicar ainda mais, o vento contra apareceu. Entretanto a paisagem era algo de surreal. Montanhas com picos nevados, rochas e areia. Show
Exaustos e indignados com o vento, paramos para almoçar faltando 4 km para a tão esperada descida. Encontramos um trecho onde o vento não nos imcomodava, pois de cada lado da ruta havia um pequeno morro de areia e pedra que impedia o vento. Ali comemos algo e depois ficamos um bom tempo deitados no chão. Nesta hora minha cabeça já estava doendo por causa da altitude.
Quando voltamos ao pedal, enfrentamos os últimos 4 km de aclives, tiramos fotos com o vulcão Licancabur ao lado e começamos aquela que considero a melhor descida de minha vida. Foram praticamente 40 km descendo, sendo que 30 km em uma velocidade acima de 40 km/h e 10 km pedalando à 25 km/h. Tudo com o vento ao nosso favor. Sim, o vento mudou.
A emoção foi imensa. Eu olhava o horizonte e via montanhas, salares e muito, mais muito deserto. Filmei alguns bons minutos dessa descida (veja o vídeo no início do post). Minha cabeça parou de doer e o cansaço sumiu. Eu tentava visualizar a cidade de San Pedro de Atacama, mas não conseguia. Paramos um pouco e ao olharmos para o lado, lá estava o imponente vulcão. Nunca mais vou esquecer essa descida. Lembrando que foi a segunda vez que passei por ela, mas desta vez acho que pude contemplá-la melhor. Faltando 10 km para chegar na cidade, nós fizemos uma parada para tirar nossas roupas de frio e depois continuamos pedalando. Aos poucos a cidade foi aparecendo e quando nos demos conta, já havíamos completado o percurso do dia.
Fizemos os trâmites, tomamos sorvete e refrigerante na praça e depois fomos para o camping Los Perales. Para finalizar o dia, eu fui passear na cidade. Cidade que em 2008 eu tive uma má impressão, mas que desta vez me cativou. Pude conhecer bem as ruas, o povo, a igreja e tudo mais. San Pedro de Atacama vive do turismo. Encontrei uma empresa que fazia o passeio para o Geiser El Tatio por 15000 pesos e fechei negócio. Depois passei numa lan house, seguindo para uma cabine telefônica e por fim entrei num mercado.
Ao voltar para o camping, conversei com os franceses e decidimos que no dia seguinte iríamos conhecer o Valle de la Luna no período da tarde. Em seguida conversei com um grupo de chilenos e tomei vinho no melão. Muito bom. Por fim, quando eu já estava dentro da barraca, escutei pessoas falando em português e descobri dois brasileiros (Erik e Rafael) que estavam viajando à 23 dias. Era uma viagem de formatura que começou com muitas pessoas da turma, mas o dinheiro de cada uma foi acabando e só sobraram os dois. Foi muito bom poder conversar na minha própria língua.
Assim terminei o 7º dia e com ele também completei o trajeto de ida. Foram 95 km neste dia.
8º Dia
Este dia foi dedicado aos passeios em San Pedro de Atacama, que começaram bem cedo. As 4h da madruga eu já estava na frente do camping esperando uma van para me levar até o Geiser El Tatio. Quando a van chegou, descobri que nossa guia, de nome Daniela, era encantadora. Infelizmente ao meu lado estava sentado um fumante. Que merda! Tive que passar o tempo todo sentindo o fedor de cigarro.
Chegamos nos geiseres as 6:30 min e o frio imperava no local. A Daniela nos informou que a temperatura estava abaixo de zero e que estávamos acima dos 4000m. Apesar do frio, o lugar é fantástico. A água quente brota da terra por diversos locais e a grande diferença de temperatura entre a água e o ambiente, faz aparecer o vapor. É muito dez. Chegando mais perto, pude ver a água borbulhando e esguichando. Não tão grande como nos desenhos animados, mas mesmo assim fascinante. Depois chegamos em uma terma, onde eu não perdi tempo e fui logo ficando de bermuda para mergulhar. Que sensação boa! A temperatura da água era muito agradável e ali fiquei por alguns minutos. O difícil foi sair e ter que colocar todas as roupas rapidamente, pois fora da terma a temperatura estava negativa. Para finalizar este momento mágico, tomamos uma belo café da manhã com leite e ovos aquecidos pela água quente e depois (9h) começamos a voltar, mas antes de chegarmos a San Pedro nós passamos no povoado de Machuca, onde se pode apreciar um espetinho de lhama e também empanadas com queijo de cabra.
De volta ao camping na cidade de San Pedro conversei com um japonês que estava viajando há um ano e ele me indicou um local próximo: La Pukara de Quitor. Nos despedimos e então fui ao centro pegar um mapa com as atrações turísticas. Com o mapa nas mãos, vi que poderia conhecer La Pukara e o Valle de la Luna na mesma tarde. Falei com os franceses e eles resolveram ir ao Valle de la Luna no dia seguinte, pois naquela tarde fecharam um tour até a Laguna Cejar, no salar de Atacama.
Exatamente as 15h peguei a bike e percorri os míseros 3 km entre a cidade e a fortaleza (La Pukara) de Quitor. Infelizmente não achei nada de extraodinário nesse local. Talvez isso se deva ao fato de eu já ter conhecido uma fortaleza em Tilcara e como elas são muito parecidas não fiquei tão surpreso. A parte boa de ter ido ao local foi a de encontrar duas americanas. Com a desculpa de tirar fotos pra lá e pra cá (mirando o vulcão Licancabur) fomos proseando e nos conhecendo até que descobrimos estar no mesmo camping. Combinamos de nos ver mais tarde e nos despedimos.
Então segui para o famoso Valle de la Luna, ou Vale da Lua, um local totalmente desértico e infinitamente majestoso que fica na Cordilheira de Sal. “Este vale é uma extensão de terra e de areia avermelhada com formações rochosas singulares. Parte do solo é coberto de sal branco, o que dá a impressão de se estar em um ambiente não-terráqueo.” Guia – O Viajante
Peguei a estrada e logo na saída de San Pedro encontrei um cicloturista holandês chamado Arie. Conversamos, tiramos fotos e nos despedimos. Subi alguns quilômetros, tirei fotos na Cordilheira de Sal e quando eu estava a poucos minutos do vale, meu pneu frontal furou. Troquei a câmara e como o movimento estava pequeno, resolvi olhar no mapa turístico. Ali descobri que eu estava indo para a saída do vale. Não perdi tempo e voltei rapidamente ao o início da estrada para então pegar o caminho certo até a entrada do vale.
Na entrada conversei com dois motoqueiros brasileiros e um deles não estava acreditando na minha aventura. Sinceramente deu vontade de rir. Ao entrar no vale eu fiquei encantado com tanta beleza. Tirei muitas fotos daquele momento ímpar. Foram aproximadamente 16 km pedalados até eu sair novamente na estrada bastante vento a favor. Foi então que desci novamente a Cordilheira de Sal e bati meu recorde de velocidade: 78,62 km/h.
Voltei realizado ao camping. Realmente San Pedro de Atacama faz jus a fama que tem. Tomei um banho, lavei roupa, fui comprar comida, troquei e-mail com os aventureiros Erik e Rafael e fui bater um longo papo com as americanas. Assim terminei o oitavo dia da viagem, com 40 km pedalados e muita coisa pra contar.
9º Dia
Tive uma noite ótima e recuperei todas as energias. Acordei às 7h da manhã, arrumei as coisas, me despedi tirando fotos com os brasileiros (Erik e Rafael) e com os franceses (Julian e Karine) e saí às 9h e 30 min. Ao passar na frente da aduana, perguntei se em Socaire (minha última cidade no Chile) haveria trâmites e a resposta foi que tudo é feito em San Pedro. Olhei para a fila e desanimei, mas um policial, vendo que eu estava de bicicleta, me deixou furar a fila e em menos de 2 minutos minha situação foi resolvida.
A estrada foi boa durante os primeiros 18 km, depois começaram a aparecer constantes ondulações. Em relação à paisagem posso dizer que ela ficou interessante quando eu já estava próximo de Toconao, pois nessa parte só existia deserto para todos os lados. Essa parte já fazia parte do Salar de Atacama, mas não pude ver o sal em si, pois ele fica um pouco longe do perímetro, o mesmo acontece com a laguna Cejar.
Almocei dois sanduíches de churrasco com tomate em Toconao, conheci um pouco da pequena vila e fui para a principal atração da cidade: A Quebrada de Jere.
” A Quebrada de Jere é um cânion fértil que rasga o deserto com paredes de até 20m de altura” Guia – O Viajante
Pronto, eu havia conhecido mais um ponto turístico que programara. Então parti para a cidade de Socaire. Entre Toconao e Socaire há somente uma imensidão de areia com montanhas nevadas ao longe (lado esquerdo) e o Salar de Atacama (lado direito). Com o vento nas costas fui pedalando e apreciando o nada. Parei para descansar e comer no trevo de acesso para a cidade de Peine e confesso que fiquei tentado em seguir para esta cidade, pois o Antonio Olinto relata em seu livro, Os 7 Passos Andinos, que em Peine existe uma piscina de águas quentes.Infelizmente meu destino era outro e após o merecido descanso eu enfrentei 16 km de subidas para completar o trajeto do dia. Demorei duas horas para fazer este último trecho, chegando em Socaire as 17:10 min.
Socaire é uma vila de apenas 128 habitantes que está 3200m acima do nível do mar, ou seja, eu subi 800m durante todo o dia. Não parece muito, mas o problema é que 600m foram nos últimos 16 km.
Acampei no quintal da igreja antiga, comprei pêssegos, pães e refrigerante no único local que estava aberto. Depois fiquei um bom tempo sozinho dentro da igreja e pude orar bastante. Foi de arrepiar. Emoções à flor de pele.
Percorri 95 km durante este dia e sobrevivi ao deserto.
10º Dia
Saindo de Socaire o asfalto deu lugar ao rípio, mas as subidas continuaram com uma inclinação forte. Esta combinação de rípio e aclives me castigou nas primeiras duas horas, nas quais pedalei somente 14 km. A cada curva eu via o caminho pelo qual passei no dia anterior ficar cada vez mais abaixo, inclusive o Salar de Atacama, que antes parecia gigante e agora estava pequenino. Felizmente no quilômetro quinze o terreno ficou plano e pude avançar um pouco. Passei pela entrada das lagunas Miscanti e Meñique, mas não fui conhecer, pois estavam muito fora do meu caminho. Um pouco mais a frente falei com o motorista de um van e descobri que estava a 3800m de altitude, isto é, subi aproximadamente 600m. No mesmo local pude filmar e tirar fotos de várias lhamas/guanacos/vicuñas em seu habitat natural.
Segui e a estrada piorou: Ou areia ou costelas de vaca. Nesta hora eu havia percorrido 30 km e já estava um pouco cansado e com fome, mas continuei pedalando até que no quilômetro 37 as subidas voltaram. Então fiz minha parada para almoçar e saborear alguns pães com doce de leite e pêssegos, ambos muito bem acompanhados de um belo suco de gelatina para repor os carboidratos.
Já devidamente abastecido continuei minha saga, montanha acima, rumo ao Paso Sico. Em poucos minutos eu estava a mais de 4000m e a paisagem era incrível: Uma montanha gigantesca com o cume coberto de neve. Parei, tirei fotos e fiquei uns 5 minutos só apreciando.
Ao prosseguir, a estrada deixou de ascender e começou a contornar a montanha com um leve sobe e desce, até que no quilômetro 56 começaram as descidas. E foi durante essas descidas que me deparei com um oásis no meio da Cordilheira dos Andes: O Salar Águas Calientes.
Ao olhar aquele local que continha uma laguna de cor azul clara, com alguns pontos brancos no meio e montanhas coloridas e nevadas ao fundo só pude pensar em uma palavra que repeti diversas vezes: PERFEITO!
Naquele momento eu esqueci a estrada ruim, as subidas anteriores e o cansaço. São momentos e lugares mágicos assim que fazem uma viagem valer a pena.
Para melhorar ainda mais o meu espírito, o vento começou a soprar forte, mas desta vez estava ao meu favor. Que beleza! Pedalei um bom tempo com o salar ao meu lado e quando meus olhos não podiam mais completá-lo, eis que surgiu outro oásis: A Laguna Tuyaito. Tão bela quanto o salar. Mais fotos, vídeos e admiração.
Feliz da vida segui meu trajeto decidido em acampar em El Laco. Local descrito, em uma placa, como acampamento/vila. Pedalei, pedalei e pedalei, mas nada de chegar ao destino. Eu já havia percorrido a distância indicada na placa e na via sinal algum de vila. Então decidi armar minha barraca no meio do nada. Sai da estrada e comecei a montar acampamento em um terreno árido, quase um deserto. Por causa do vento demorei um bom tempo até deixar tudo pronto.
Fechei o dia com chave de ouro. Foram 82 km com subidas, lhamas, montanhas, salares, lagunas e acampamento no “deserto”
11º Dia
Acampar no meio do deserto não tem preço. Foi uma noite incrível. O vento, como era de praxe, deu uma trégua logo depois da meia noite e então pude sair para olhar as estrelas. Fantástico. Pena que não consegui tirar boas fotos.
Ao amanhecer, desmontei acampamento, sacudi a poeira (que não era pouca) e parti para a divisa do Chile com a Argentina (Paso Sico). Logo no início do dia eu enfrentei uma subida suave durante uns 10 km, depois a inclinação aumentou até eu finalmente chegar ao topo de um morro e só então desci alguns metros para encontrar El Laco. Fiquei indignado com a placa do dia anterior, pois a distância marcada na mesma estava com um “pequeno” erro de 12 km. PQP!
El Laco não tinha nada de especial, era simplesmente uma pequena vila. Acho que foi mais interessante ter dormido no meio do nada.
Seguindo meu destino pude avistar uma tremenda subida, a qual pensei ser a última antes do Paso Sico, ou seja, seria o Paso de Montanha. Então subi, subi e subi. No topo gravei um vídeo falando da altitude e do Paso. Depois comecei a descer uma ladeira alucinante que durou uns 5 km até o controle de fronteira chileno que ficava em frente ao Salar El Laco (este salar não era muito bonito).
Achei uma frescura enorme o tal controle de fronteira, pois não era válido como aduana, era simplesmente uma lista das pessoas que saem ou entram no Chile. Bem, pelo menos o oficial foi super gente boa e me deu várias informações, dentre as quais estavam a última subida e as distâncias até alguns lugares da Argentina.Na saída tirei algumas fotos do salar, deletei o vídeo que fiz anteriormente pensando que estava no Paso de Montanha e me despedi do oficial.
Neste momento comecei a ficar indignado com a estrada, pois as ondulações e as pedras soltas não deixavam eu avançar direito. Pedalei a 12 km/h até o início da última subida antes do Paso, depois a velocidade despencou.
Devagar fui vencendo o aclive até que finalmente não havia mais nenhum vestígio da subida. Novamente filmei o local e dei ênfase para a altitude, que naquele momento eu pensava ser de 4079m, mas depois vi que era de aprox 4300m.
Ali, sozinho, no meio do nada, eu inspirei fundo e soltei um grande grito: CONSEGUI, COMPLETEI MAIS UM PASO DE MONTANHA!
Então comecei a descer até a fronteira. Que beleza! Velocidades acima de 35 km/h, paisagens lindas e a sensação de missão cumprida. Mal sabia eu que mais dificuldades me esperavam..
Ao chegar na fronteira, chamada Paso Sico, fiz outra parada. Registrei o momento e depois continuei descendo até o controle Argentino.
Foram 11 km com ondulações, pedras soltas, areia, buracos, etc. Cheguei cansado e com fome no controle. Ao entrar no recinto senti um cheiro delicioso de carne e pensei em pedir um prato de comida para o policial, mas o mesmo estava com uma cara tão fechada que desisti do pensamento. Enquanto o guarda sisudo fazia os trâmites, eu aproveitei para dar uma olhada em um mapa que estava na parede e tive uma grande surpresa quando vi a altitude de Cachauri (uma vila pela qual eu iria passar) marcada em 4600m. Perguntei ao oficial e ele confirmou. Depois o próprio me entregou um papel de entrada no país diferente do convencional. Questionei a validade duas vezes e a resposta foi a mesma: No hay problema. Então OK! Sai e fui comer um mísero pão com doce de leite.
Enquanto saboreava o pão fiquei pensando naquela altitude de 4600m e cheguei em duas conclusões: Ou eu não pesquisei direito, ou o mapa estava errado. Torcendo para que a segunda fosse verdadeira, segui meu rumo pegando à esquerda numa bifurcação que estava a uns 50m do controle.
Meu destino era a cidade/vila de Catua que ficava a aproximadamente 17 km. Uma distância que normalmente seria tranqüila se tornou difícil por causa da grande quantidade de pedras soltas que estavam no caminho. Foi inevitável não pensar na suposta subida até 4600m. Em minha mente imaginei empurrando a bike por diversos aclives com pedras soltas.
Cogitei em parar em Catua e terminar a aventura pegando um ônibus. Porém só cogitei, pois ao chegar próximo de Catua, alguns moradores me informaram que Cachauri estava aproximadamente na mesma altitude da cidade deles, isto é, aproximadamente 3900m. Ufa, isso me deixou muito mais tranqüilo. Os mesmos moradores me informaram que em Cachauri não havia nada e que seria melhor eu seguir até uma cidade chamada Olacapato, 10 km adiante. Olhei as horas, vi a quilometragem até Olacapato e decidi seguir o conselho que me deram. Antes de continuar perguntei se haveria muitas subidas e a resposta foi que eu enfrentaria apenas um aclive forte.
Ao deixar Catua para trás tive outra surpresa desagradável: A estrada agora era metade de areia e metade de leito de rio. PQP! Que dia difícil. Minha velocidade não ultrapassava os 12 km/h na reta. Fiquei alguns quilômetros enfrentando esta nova adversidade até encontrar a tal subida.
Ali o caminho melhorou um pouco, mas a velocidade abaixou, pois a inclinação era forte. Subi por aproximadamente 10 km e depois comecei uma longa e maravilhosa descida. Ao longe avistei uma máquina trabalhando na estrada e logo senti meu pneu traseiro derrapando. Então percebi que a tal máquina deixou o caminho bem fofo e sem perder tempo comecei a me divertir com aquilo.
Fui descendo e derrapando. Parecia um ciclista de downhill. A paisagem também melhorou e assim como no dia anterior, eu pude contemplar algumas montanhas coloridas.
Não demorou muito para eu chegar no salar de Cachauri. Outro lugar incrível dessa viagem. Filmei, tirei fotos e segui. Tive que desviar da estrada por causa de grandes poças de lama, mas nada que comprometesse o roteiro. Pedalei mais alguns quilômetros e cheguei na vila de Cachauri, onde realmente não havia nada, pois as casas estavam todas abandonadas.
Então parti para os últimos dez mil metros do dia. Demorei uma hora para fazer este pequeno trecho. Tudo por causa das malditas ondulações e pedras soltas que voltaram a aparecer.
Cheguei em Olacapato e como estava bem cansado, resolvi procurar uma pousada. Rodei a pequena cidade, que parecia fantasma, e nada de achar hospedagem. Foi então que um menino me levou até uma casa com entrada quase impossível de achar. Ali descobri um pousada, ou restaurante e um mercadinho. Milagre….hauahua!
Peguei o serviço completo, isto é, hospedagem, janta, telefone e mercado. Tomei um belo banho de 30 min e sai renovado. Depois jantei uma boa costela, com purê de batata salada de tomate com cebola. Mas nem tudo sai como eu queria, pois descobri que meu pneu dianteiro estava furado e que o bagageiro frontal estava quebrado. Arrumei a câmara e fiz uma gambiarra no bagageiro antes de dormir.
Dados do 11º dia: 118 km muito difíceis.
12º Dia
Descansei muito bem durante a noite na pousada e parti com muito “gás” para a pedalada do dia.
Comecei o dia com uma subida suave e constante. Minha média não ultrapassava os 15 km/h e isso começou a me irritar. Parei um instante, fechei os olhos e relaxei por alguns minutos. Foi a melhor coisa que podia ter feito, pois ao continuar, eu estava bem tranqüilo.
Sendo assim, pude curtir o pedal, mesmo com a subida e as pedras soltas que estavam no caminho. Aos poucos a paisagem foi mudando. Agora eu avistava uma vegetação rala que seguia ao lado de um pequeno riacho e quando olhei para o curso da água tive a certeza de estar subindo, pois o fluxo sempre estava correndo no sentido contrário do meu destino.
Fiquei imaginando o quanto de altitude eu estava subindo e quando me dei conta, me vi pedalando no meio de algumas rochas, isto é, a estrada era cercada por paredões imensos. Show!
Tirei fotos e mais fotos desde belo caminho e ao sair do meio das rochas contemplei um vasto campo verdinho, verdinho. Incrível! Pedalei longos minutos com este campo ao meu lado direito e aos poucos fui avistando uma enorme subida. Pensei: Pó, já não basta estar em ascensão (suave) desde Olacapato? Tem que aparecer um aclive enorme?
Juntei todas as minhas forças, que neste momento não eram muitas, fiz uma curva para a esquerda, coloquei na marcha mais leve e “camelei” até o topo da encosta. Lá em cima, exausto, tirei algumas fotos da paisagem exuberante e o mais impressionante foi ver que uma casa de tamanho normal agora parecia pequenina. Nesta hora me dei conta de quanto eu havia subido.
Seguindo meu rumo, pensei estar no ponto mais alto do local, mas ao fazer uma curva descobri que estava enganado, pois na minha frente erguia-se uma outra montanha. PQP! Nunca mais vai parar de subir! Foi então que resolvi parar para o almoço.
Encostei a bike num canto e comecei a saborear pães com geléia, pêssegos e maçãs. Estava sentindo minha respiração mais ofegante, porém não liguei o fato à altitude. Neste momento verifiquei o meu odômetro e por incrível que pareça, eu havia pedalado apenas 28 km em 3 horas. Que merda!
Quando já estava devidamente abastecido e recuperado do cansaço, tomei coragem e fui enfrentar a subida.
O legal foi avistar aos poucos a estrada de ferro do trem das nuvens. Esta estrada começa em Salta (1600m) e chega um pouco pra frente de San Antonio de Los Cobres (3750m). Sendo assim, imaginei estar na mesma, ou um pouco acima da altitude de San Antonio.
Subi, subi, subi e quando pensei ter chegado ao topo, subi mais um pouco. De repente encontro uma placa que indicava a altitude de 4560m. Estava explicada a dificuldade imensa. Levei um baita susto. Parei, refleti e lembrei do mapa que vi no controle argentino. O mapa indicava a altitude de Cachauri com 4600m. Pois bem, a altitude estava certa, mas o local estava errado.
Olhei novamente no odômetro e gravei em minha memória: Foram 35 km de subidas, aclives e ascensões naquele dia, até que cheguei aos 4560m. Lembrando que em Olacapato eu estava a aproximadamente 3900m. Uma falha no planejamento, mas que foi superada. Agora eu tinha a convicção que iria descer até 3750m.
Logo após a placa, comecei a “despencar”. Desci caracoles no rípio e por diversas vezes, a estrada que serpenteava pra lá e pra cá, cruzava com a linha do trem. Parei em muitos momentos e tirei fotos do local. Eu via a estrada de ferro, a estrada de rípio e muitas montanhas ao fundo. Uma paisagem surreal.
Tentei aproveitar ao máximo aquele momento e agora que estou escrevendo, vejo um filme em minha mente e percebo quão feliz eu estava.
Desci até cansar e ao chegar no fim pedalei no plano por uns 10 km até chegar na cidade de San Antonio de Los Cobres. Durante este último trecho vi a placa que indicava o viaduto Polvorilla a 14 km. Este viaduto é a parte mais alta do trem das nuvens, com 4200m e a imagem que se tem da estrada é magnífica. Entretanto não pude visualizá-lo pela grande distância que se encontrava.
Já em San Antonio de Los Cobres, descobri que o famoso trem não estava funcionando e meus planos de fazer o belo passeio foram dissipados. Meu objetivo era fazer o trajeto entre San Antonio e Salta de trem e então terminar a aventura, mas como isso não poi possível, decidi pedalar este último trecho no dia seguinte.
Rodei um pouco pelas ruas e logo me instalei num hotel simples. Tomei um belo banho e fui caminhar pela cidade em busca de uma lan house. Infelizmente minha busca foi em vão. Quando eu estava voltando para o hotel, encontrei um ciclista argentino chamado Gastón e ele foi se hospedar no mesmo hotel. Fizemos amizade, tomamos mate e depois saímos para comer algo, mas antes eu comecei a sentir uma forte dor de barriga e muitos calafrios.
Quando saímos para comer, o meu organismo já estava um pouco melhor. Entretanto, ao iniciarmos nossa janta (composta de bife a milanesa com arroz), comecei a me sentir mal novamente. Nem consegui comer direito e quando voltamos para o hotel, eu simplesmente entrei no meu quarto, deitei e senti muito frio. Tenso. Ao poucos o frio foi dando lugar ao calor e então eu me vi suando muito. Nem dormi direito.
Assim finalizei o dia. Foram 64 km
13º Dia
Acordei cedo e senti que meu corpo estava melhor. Comi alguns pães, bolachas e maçã e não tive problemas com o estômago. Decidi seguir viagem.
O Gastón fez questão de me acompanhar até a saída da cidade. Ali nos despedimos e desejamos boa sorte para nossas aventuras.
Subi alguns quilômetros até enxergar San Antonio de Los Cobres do alto, depois pedalei no plano durante um bom tempo e logo no início percebi que meu corpo não estava bem, pois eu me sentia fraco.
Para recuperar as forças eu tomei um grande gole de suco de gelatina e infelizmente após alguns minutos, senti minha barriga novamente. Não teve jeito. Lá se foi o meu café. Resolvi pedalar num ritmo mais cadenciado, pois a coisa estava feia.
Aos poucos os quilômetros foram passando e quando vi, já estava no asfalto novamente. Então meu rendimento melhorou. Empolgado com a volta do asfalto e com a magnífica imagem de uma montanha que se erguia na minha frente, tirei de letra a última grande subida da viagem. Foram aproximadamente uns 3 km de aclive e lá estava eu novamente nos 4000m de altitude.
Dali em diante eu iria descer até 1600m em 140 km. Uma moleza.
Comecei a descer com velocidades acima de 45 km/h e não pedalei durante um bom tempo, mas infelizmente o vento começou a soprar contra. Mesmo com as descidas, eu tinha que pedalar para vencer esse inimigo invisível. E sem falar que de tempos em tempos (a cada 10 minutos aproximadamente), minha barriga começava a doer.
Com vento contra, dor de barriga e fraqueza, ainda consegui pedalar um bom tempo. Tirei várias fotos do belo caminho que contornava as montanhas. Resolvi parar na vila de Governador Manuel Sola. As horas marcavam apenas duas da tarde, mas seria muito ruim continuar.
Comprei bolachas água e sal, montei acampamento ao lado da estação ferroviária e fiquei o resto da tarde descansando.
Completei 90 km no dia.
14º Dia
Descansei bastante durante a noite e acordei cedo para o meu último dia de pedal. Infelizmente as problemas na barriga ainda estavam me incomodando, mas a freqüência das dores era bem menor.
Ao sair da vila Manuel Sola desfrutei de boas descidas, que sem o maldito vento contra, foram percorridas rapidamente. Desci, desci e desci. Que coisa boa!
Depois de 30 km o asfalto deu lugar ao rípio novamente e a paisagem mudou bastante. Ao invés de rochas e pouca vegetação, muito verde e alguns riachos cruzando a estrada.
A combinação de descidas e pedras soltas rendeu o mais uma câmara furada. Ossos do ofício. O importante é que o rípio durou apenas 23 km e quando vi, só faltavam 32 km para o fim.
Passei pela vila de Campo Quijano, depois encontrei dois cicloturistas argentinos e finalmente cheguei em Salta.
As horas marcavam 12h45min quando entrei na rodoviária e comprei passagem para Córdoba, às 20h30min. Durante este longo intervalo de tempo eu fui conhecer um pouco da cidade e acabei encontrando um ciclista/sorveteiro de Tucuman (cidade próxima) chamado Guido. Conversamos muito e trocamos e-mail.
Depois retornei para a rodoviária, comi um sanduíche de milanesa,desmontei a bike e enfrentei 3 dias e meio de ônibus até chegar em casa.