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PBP 2015 – Relato de Patricia Barcellos

Postado em 30 agosto 2015 por awulll

 

Nota sobre o PBP: O PBP começa dentro d’agente.
Começa por desejá-lo sem saber como ele é. Pelo simples fato de ser a prova maior de uma série. Também por ser uma evento centenário, histórico e que para estar lá você precisa conquistá-lo, passo a passo, degrau a degrau. Isso inclui conquista pessoal, crescimento individual, autoconhecimento. E saber que você, mesmo tendo que ser autossuficiente, estará sempre acompanhado, apoiado, incentivado.
O meu começou assim.
E foi quando tive conhecimento e comecei a participar destas provas de longa distância, e a querer cada vez mais distâncias maiores.
Este PBP começou a três anos. E foi tomando forma cada vez que eu ia concluindo as etapas.
E começou a aparecer quando os participantes que eu conheço começaram a postar coisas sobre ele. E depois, por fim, passou a existir para mim quando resolvi apostar todas as minhas fichas, literalmente, nele. Para conhecê-lo.
E foi se tornando próximo e real quando estes ciclistas foram postando suas presenças na cidade onde ele acontece.
A minha ficha demorou a cair. Já estava inscrita e faltavam poucos dias para a viagem, quando percebi onde tinha me metido. Mas mesmo assim não poderia ter noção sem estar dentro dele. E foi no sábado, dia anterior a largada, na retirada do kit, que o meu coração bateu forte por ele. Que o meu corpo sentiu aquele arrepio de paixão. Quando cheguei em frente ao velódromo, e dei de cara com ele, me esperando.
Toda aquela agitação, ciclistas por todos os lados, várias nacionalidades, música, telão. Encontros, reencontros, reconhecimentos. A cena é inexplicável. Como tudo, para se sentir, há que se viver.
Sobre a organização da prova: começa desde quando a gente lê o dossiê sobre a prova. Um manual de 17 páginas, contendo um congresso técnico inteiro, direto, simples e bem explicado.
Este ano foram 6.000 ciclistas inscritos. Dá para imaginar a dificuldade de se organizar algo deste tamanho, colocar todo mundo no mesmo lugar e fazer a coisa funcionar e fluir. E foi assim que aconteceu, tudo numa ordem impecável. Desde as informações constantes neste dossiê, passando pela entrega dos kits, a largada mega organizada e a prova em si. Extremamente bem sinalizada (não usei gps, nem mapa, nem o guia que recebi. Tampouco estudei a rota). Me entreguei a ele de olhos fechados. E não me senti perdida em nenhum momento.
Os postos de controle bem localizados, contendo o necessário, e os voluntários sempre atenciosos e dispostos a tudo, lidando com vários idiomas. A coisa fluindo perfeitamente. Pra mim foi assim.
Sobre os ciclistas e suas bikes: tem de tudo um pouco. Tá todo mundo aqui para viver esse momento e curtir.
Sobre o local da prova: França. Sem muitos comentários. Estradas perfeitas, sem acostamento, bem sinalizadas, e com um povo acostumado com os ciclistas e culturalmente envolvido com o evento. Além disso, regras claras e seguidas com responsabilidade e respeito, quando o quesito é ciclista.
Sobre o “povo”. O público externo. Aquele que não está participando como ciclista, nem organizador, nem voluntário:
Você, como Randonneur, é visto e respeitado nas ruas de uma forma diferente. Na cidade da largada, Saint Quentin, que fica a 30 km de Paris, onde fiquei hospedada, próximo a largada, sentia que era encarada com respeito. Não era vista como turista. E sim como Randonneur. As crianças querem te tocar como se você fosse um ser intangível. Os adultos ao cumprimentar, parecem fazer uma leve reverência. Os mais velhos te desejam força. Incentivam. Admiram.
Um fato que aconteceu comigo: tinha ido dar um pedal, e na volta passei no mercado do bairro. Estava dando volta pelas gondolas e uma menininha me seguindo. O pai chamando de longe, dizia para ficar perto dele e não correndo pelo mercado. Ela falou: mas eu quero ver a Randonnuer!
Achei lindo!
As crianças são incentivadas a entender desde cedo e ter o conhecimento sobre este evento como algo muito importante.
No dia da prova o entorno do velódromo estava lotado. Famílias inteiras indo saudar e incentivar os participantes. As crianças querem tocar e precisam receber o nosso carinho e atenção.
Sobre o evento: A largada aconteceu em grupos separados a cada 15 minutos.
Quando o meu grupo e eu chegamos no velódromo, fomos divididos para áreas diferentes e cada grupo ia se aproximando da largada, cada vez que o que estava na frente era liberado pelo mestre de cerimônias. Neste momento você se sente fazendo parte e dá vontade de chorar.
E quando, finalmente se dá a contagem regressiva, e seu grupo é liberado para pegar o caminho da estrada que leva para Brest, você é tomado de uma emoção gigante durante algum tempo pelo percurso, o público aplaudindo, estendendo a mão para tocar, gritando “allez”, “coragem”! Isso acontece toda vez que você encontra alguém pelo caminho. Em qualquer lugar do percurso e a qualquer hora do dia ou da noite. Inclusive, no meio do nada, tem sempre um carro estacionado, com pessoas esperando os randonneurs passarem, para bater palmas. Muitas vezes, até mesmo pessoas sozinhas. Mas bastante idosos e crianças. As pessoas saem das suas casas para ir longe, só para fazer isso. E mais, muitas famílias colocam em frente de casa, mesas com água, pães, bolos, café para oferecer aos ciclistas. Poucos cobram. Muitos oferecem. Sim! De graça. Voluntariamente. E a noite toda!!
O percurso: de tirar o fôlego. Lindas paisagens, vilarejos medievais. E subidas. Muitas subidas. Muitas. Infinitas e demoradas.
E por fim, sobre a minha prova: como eu disse, o sono é meu combatente mais impiedoso. E parei na metade da prova, para não dar zica. E para poder voltar, quem sabe, na próxima edição.
Agora estou, assim como outros ciclistas que também desistiram pelo mesmo motivo, e por causa do frio inesperado da noite, curtindo o trajeto de volta. Usufruindo da experiência de viver um PC com calma, sem pressa. Tomar um banho com tempo e ir comer com os que estão indo à Brest e os que já estão voltando para Paris.
No percurso, a população continua nos dando vivas. E agora podemos parar e interagir mais. E prestar atenção onde estamos. Sentir a energia do lugar. Aproveitar os caminhos marcados pela organização e passar por vilarejos fora do percurso turístico, mas que tem tanta história e vida quanto.
Viver os dois lados de um evento. Esse foi o presente que o destino me deu quando me apresentou o PBP e me fez apaixonar por ele. Allez!

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