Aqui, aquilo que será contado, é a estória que entrou para a história.
Parte primeira: O Passaporte.
Março, dia 28, vésperas da largada para a grande jornada, todos nós estávamos muito agitados para começar nossa grande aventura e desbravar as estradas que separavam a então rotatória dos Açores e a Praça do Japão. Neste dia, vários fatos marcaram o que acabaria se tornando, um evento em particular, motivo para desespero. Como nesta Flèche tudo era novo para todos, afinal nenhum dos membros da equipe já havia participado de alguma, várias brechas ficaram por serem preenchidas, contudo, até então, não sabíamos que assim estavam em aberto, de qualquer forma, o que estou querendo contar, foi a saga pré-Flèche na busca por um simples jornal.
Durante a organização, uma das brechas foi o fato de eu ter tido a ideia de colocar a largada em um ponto, que às seis horas da manhã de uma sexta-feira, que era santa, e feriado, não haveria maneira de comprovar nossa partida, e por isso no dia anterior, eu e meu nobre companheiro Claudemir Sperandio, juntamente de nossa bem feitora Eleonora Vargas, vasculhamos as cidades de São José e Florianópolis em plena quinta-feira a noite, sim a noite pois foi apenas na véspera que nos demos conta da falta de tal item, em busca de um jornal de sexta-feira. Para resumir, todos os lugares em que perguntávamos se possuíam tal artefato, nos era dado um rápido e seco não, em outros lugares até calorosamente riam de nós, mas nada que detivesse nossa determinação de obter nossas passagens para a grande jornada. Ao final da noite, quando as esperanças do Sperandio, já eram pequenas, batemos à porta de uma padaria 24 horas, a qual nos forneceu a valorosa informação de que em estabelecimentos dessa natureza, os jornais são enviados mais cedo que o normal, porém o cedo ainda era para nós muito tarde, por volta de seis da manhã, e como nossa partida se daria as cinco pontualmente não seria suficiente para solucionar o problema. Então, enquanto voltávamos nossas direções para a saída do estabelecimento, eis que nossa informante da padaria, vulgo caixa, nos fornece o que seria a informação de resolução do problema, e o que foi constado era que não faria sentido procurarmos um jornal do dia seguinte nos distribuidores finais dele, mas sim na fonte direta, partimos assim para o centro de produção e distribuição do jornal Hora de Santa Catarina.
Ao chegar no local, fomos recebidos, eu, Sperandio e Vargas, pelo segurança da fortaleza jornalística. Muito bem recebidos e feitas as apresentações, iniciamos o conto do causo. Ao perceber, o primeiro segurança, sim, eram dois, na verdade só um, o segundo veio depois, o segurança primeiro chamou o segurança segundo, que parecia ser mais influente e estar mais perto do tesouro, o passaporte. Este nos disse ser impossível conseguir, nos passou contatos telefônicos secretos para diversas pessoas do meio jornalístico, mas o que não sabíamos era que este segurança, o segundo, poderia ser um agente infiltrado possuidor de inúmeras habilidades e regalias, então, sem até hoje sabermos sua identidade secreta, ele soluciona nosso problema, o que foi conseguido abrindo mão de seu jornal, primeira edição, fornecida as quatro horas e trinta minutos da manhã. Talvez tenha sido difícil desligar-se de sua fonte informativa, mas assim foi feito, e conforme acordado, passaríamos no horário para pegar o “passaporte”.
Parte segunda: A Partida
Após toda essa movimentação, o que restou em nós foi a adrenalina provocada pelo desespero da possibilidade em não obter o “passaporte”. Passado os acontecimentos, e com uma dose quase letal do tal hormônio, e já em contagem regressiva para a virada do dia 29, dormir foi uma tarefa difícil, ainda mais sabendo que uma brecha do plano audaxioso fora exposta, então o medo de haver outra se tornou ainda maior. Por volta uma hora da manhã nos despedimos de Sperandio, eu e Vargas. Dormir se tornou uma tarefa difícil ainda mais sabendo que as três e meia o despertador soou e foram pra conta apenas duas horas e meia de sono antes de uma peleja de vinte e quatro horas. Tudo bem, acordamos, vestimos nossas armaduras e preparamos nossas fiéis escudeiras para a justa que se aproximava. Devidamente alimentados, partimos para buscar Dalbosco em suas estâncias.
Tendo colocado sua escudeira no veículo de batalha, um Uno, Dalbosco nos guia pelo labirindo de ruelas que nos separavam da fortaleza jornalística. Chegando lá, recebemos ainda quente o primeiro exemplar do jornal de sexta-feira santa, 29 de março.
Com Vargas na boléia do veículo de batalha, partimos, munidos do passaporte. Rumamos para a fronteira molhada, com a grande teta de aço ao lado, apenas atenham-se para a travessia das águas da baía de Florianópolis, esse causo de grande teta de aço deixamos para outra ocasião, passamos pelo grande cheioroso e adentramos pela toca da raposa. Quando chegávamos próximo ao local de departure, já encontrávamos os outros companheiros em seus carros indo para o mesmo lugar.
Ao chegar na rótula dos açores, colocamos o resto dos paramentos, conferimos nossas magrelas e oficializamos o momento.
Após tirar uma fotografia da prova material de que estávamos saindo do local combinado e na hora combinada, tiramos uma foto
Parte terceira: Partindo
Naquela manhã, pairava uma certa neblina e a temperatura não era a mais agradável que poderia ser. Como nos primeiros quilômetros, até o primeiro posto de controle em Tijucas, o que nós tínhamos todo o tempo era a companhia do mar, passamos um pouco de frio, porém nada de fizesse com que diminuísse nosso ânimo. Assim que saímos, nos deparamos com um acidente fatal na rodovia que liga o elevado do final da via expressa sul com o trevo que vai pro sul da ilha e para a lagoa da conceição, um motoqueiro batera de frente com um carro. Neste momento seguimos um bom tempo em silêncio, aquilo mexeu demais conosco, e enquanto, calados andávamos, as médias de velocidade subiam, chegando ao ponto de estar no primeiro posto de controle com cerca de uma hora de antecedência.
Tal esforço a chegar no primeiro posto de controle me deixou um pouco desidratado, como amanheceu enquanto passávamos pelo morro das pedras, onde ao olhar para o lado vislumbrávamos o nascer do sol, dali, até Tijucas foram mais ou menos 80 quilômetros, e por causa do frio fui com o corta vento, o que me gerou a desidratação. Enquanto Kawano, Sperandio, Hermano e Dalbosco desfrutavam de um bom expresso com algum quitute, eu me reidratava com uma bela cerveja, funcionou bem.
Parte quarta: O Sol!
Em contraponto ao que aconteceu durante a primeira parte do dia, o fato de a neblina e baixa temperatura ter nos castigado, ao passarmos por Itapema, já sentíamos o vento mudando e também já sentíamos que a temperatura já não era mais tão baixa e amena.
Passando por Balneário Camboriú, no segundo posto de controle, aquilo que suspeitávamos se confirmou, um ponto foi a favor e o outro contra, o a favor foi que o vento mudou e foi nos soprando todo o tempo, mas o sol, a o sol, este se revelou em seu máximo de força em um céu de brigadeiro.
Próxima parada Posto Sinuelo.
O caminho até o próximo posto de controle foi duro, pois a cada metro andado, a impressão era que mais um grau subia na temperatura, as caramanholas já não davam conta de abastecer nossa sede, e uma parada extra teve de ser feita afim de abastecê-las, foi no posto Ale, em penha, pouco antes de chegar em Balneário Piçarras.
Enquanto Kawano, Hermano e Dalbosco seguiam em um ritmo frenético, sem serem afetados pelas condições adversas, eu e Sperandio, já sentíamos, a força do ritmo que estava sendo imposto, com um pouco de dores nas penas e falta de força para acompanhar, chegando em alguns momentos a abrir distância dos demais.
De Florianópolis até Penha, o relevo do terreno é 100% plano, sabendo que depois desse intervalo se encontrava o Posto Sinuelo, começamos a sentir as primeiras mudanças no relevo, e quando chegamos no PC, já estávamos com muita fome e precisando de descanso, e como era a parada para almoço, e estipulada em planilha que seria mais longa, paramos e nos reabastecemos visando a segunda metade do trajeto.
Parte quinta: Entrando no Paraná
De onde estávamos até entrar no estado do Paraná, faltavam cerca de 130 quilômetros e mais o posto de controle do posto Rudinick. Só não sabíamos que até lá seria tão sofrido.
Antes de chegar no Sinuelo, seguiu um trecho com bastantes variações de elevação e logo em seguida um bom trecho plano, e o que aconteceu depois dele não foi diferente, um bom trecho “enrrugado” e em seguida um trecho plano, mas até passar esse trecho mais acidentado, levou um bom tempo.
Joinville é uma cidade bem grande, e durante nossa passagem por ela, como o cansaço já era grande, baixamos o ritmo para permanecermos unidos e continuar andando bem. E vocês sabem como são as provas de audax, o que menos se faz é pedalar, pois a conversa, vixi maria, é de dar pano pra manga. Aqui me sinto na obrigação de omitir alguns detalhes.
Continuando, e faltando alguns metros para chegar no posto Rudinick, nosso audax amigo Sperandio, candidato até então, a Randonneur 5000, fura pela terceira vez, enputiado, nosso amigo, trava uma batalha entre ele e o famigerado objeto furador. E abre pneu, verifica pneu, verifica fica, verifica tudo, e nada do safado, por sorte ele já tinha saído, ao menos era o que havíamos concluído.
Chegamos no PC, ufa, hora de abastecer e partir para não sairmos do cronograma.
Chegando em Garuva, ao longe avistávamos a divisa de estados, o que para o momento foi uma das primeiras vitórias, não teria sido a última tão pouco a maior.
Parte sexta: Paraná, Pizza, Chuva e Serra
Entramos no estado do Paraná por meio da cidade de Guaratuba, foi um trecho bacana, sem muita civilização até na cidade, mas bacana. chegando na cidade acabamos por nos perder, sorte nossa que o caminho era bem sinalizado, assim conseguimos retomar o rumo para a balsa. Foi tranqüila a passagem, mas, como era um PC, e deveríamos comprovar nossa passagem por ali, mesmo sem necessitar pagar para atravessar de bicicleta pagamos como se fossem motos para conseguir um ticket para cada um de nós.
Próxima parada Posto Marú.
Foi engraçada a nossa chegada no antepenúltimo PC, pois,tudo aquilo que aconteceu durante a manhã no começo do dia, começou a se reverter ali. No PC pegamos nossos comprovantes, e surgiu a ideia de comermos uma bela, pizza, e foi ai que começou o drama da minha participação na Flèche. Imagine, você pedalando a 16 horas sem se alimentar direito, pois então, este era meu quadro, e ao olhar para a pizza, záz! Comi até a barriga ficar roliça, isso sem saber o que nos aguardava.
Saindo do PC, começamos a pedalar e de repente se instaurou um frio com uma chuva tão forte que mal pudemos acreditar, e detalhe que, ao menos para mim, pedalar nesse trecho de Pontal do Paraná, até o topo da serra, foi o trecho mais obscuro, e com escuridão total que já tinha andado. Assim que saímos do PC já com chuva forte o quarto e último furo do caminho, e adivinhem de quem? Sperandio. Concertado, retornamos para a estrada, e assim que retornamos, a pizza começou a se manifestar em meu estomago, a um ponto que em determinado momento meu companheiros abriram cerca de setecentos metros de mim, foi onde que Dalbosco retornou para me resgatar. Tudo acertado, Dalbosco me administra uma dose quase letal de nitroglicerina, onde foi que melhorei. Ao menos até o PC no pé da serra o Restaurante Roda D’água.
Agora o que faltava era subir a serra, parecia que tudo estava bem, mas fui acometido por uma séria congestão e ao mesmo tempo desidratação juntamente de hipotermia, foram momentos difíceis, momentos esses que ficarei devendo a meus colegas de equipe todo o apoio recebido, momentos em que estar em cima da bicicleta não era possível por tudo estar rodando em volta, momentos do estômago doer, tentar vomitar e nada sair, momentos em que me joguei no chão desesperado de dor e confuso por tudo aquilo e chorar por acreditar que não conseguiria completar aqui que tanto me determinei a fazer com meus amigos. E nesses momentos agradeço aos amigos Dalbosco e Kawano que praticamente me empurraram serra acima por me faltar as forças.
Parte última: Porto seguro e a Chegada na Praça do Japão
Depois de toda a dificuldade enfrentada com a chuva e frio, fizemos nossa última parada no SAU da BR – 277. Foi graças a este local que conseguimos nos recuperar completamente, afinal, era quentinho, tinha café, sofá, um bom banheiro. Dado o tempo para nos recuperar nos recompomos e partimos para as últimas duas horas de Flèche.
O caminho até a praça do Japão foi tranquilo, um sobe e desce suave e a entrada em Curitiba também. O problema foi que ao chegar não encontramos ninguém, e começamos a ficar assustados se o dia que tínhamos feito a Flèche tinha sido o correto ou se chegamos mais cedo ou tarde do que o combinado, mas para a nossa surpresa as outras equipes tiveram problemas e acabaram por não concluir o desafio.
Então este é meu relato pessoal dos acontecimentos da Flèche. Gostaria de registrar meus agradecimentos a Douglas Tissoti Kawano (Homem Cueca), Luiz Hermano Costa de Oliveira, Tiago Marcelo Dalbosco (Ronald McDonald), Claudemir Sperandio (Super Man).
Christien dos Santos Melo (Gargamel)
Paz e Bem!!!